Uma coluna de fumaça branca saía do vulcão Etna horas depois de um leve tremor de 3,6 graus na escala Richter na noite de quarta-feira. Pouco antes da meia-noite, Aldo Conte, empresário e proprietário de três hotéis e restaurantes, confraternizava com clientes sentado à luz do luar, de frente para a montanha onde está o vilarejo de Gangi, na Ilha de Sicília, sul da Itália. Ao receber novos clientes, porém, foi recebê-los e preparar um jantar com entrada, prato principal e bandeja de frutas como sobremesa. Então, sentou-se à mesa para saber mais sobre seus novos amigos.
Esse estilo “dolce vita”, explicou, marcado pela tranquilidade, longe do stress das cidades, onde a cultura, a culinária e a qualidade de vida são o mais importante, está à venda por € 1. O preço simbólico é o custo cobrado pela prefeitura de Gangi, eleito o burgo mais bonito do país em 2014, para atrair italianos e estrangeiros de todas as origens que estejam dispostos a se mudar para a Sicília ou, pelo menos, viver na região uma parte do ano.
O objetivo da administração municipal é enfrentar o êxodo e o declínio econômico repovoando o centro histórico da cidade, todo construído em pedras. O burgo medieval no alto de uma colina, com vista para o Etna – o vulcão mais ativo do mundo -, e a 120 quilômetros da praia e de Palermo, a capital da ilha, foi fundado no século 12 e por séculos foi residência de agricultores. Os problemas demográficos, porém, começaram a partir dos anos 20, com a intensificação do êxodo rural e do entreguerras, que envolveram a Itália.
Além disso, a atuação da máfia siciliana, controlada pelo chefão Andaloro-Ferrarelo, minou a atividade econômica e as condições de vida na região – situação resolvida pela intervenção violenta do “prefeito de ferro”, Cesare Mori, uma das personalidades históricas da região.
Se a máfia foi combatida e superada, a praga do êxodo e do declínio econômico que o acompanhou nunca teve adversário à altura. O resultado são cerca de mil casas de pedra, com telhas de barro, algumas com forros de madeira maciça e pisos adornados originais, fechadas e sem moradores há décadas. Destas, uma pequena parte continua à venda por 1 euro, enquanto outras 300 têm preços entre 5 mil e 15 mil euros. Em caso de sucesso da iniciativa, as cerca de mil residências poderão ser requisitadas pela prefeitura para serem repassadas a novos proprietários.
Sangue novo A ideia de trazer sangue novo a Gangi nasceu há sete anos, quando um novo e dinâmico prefeito assumiu o cargo. Elogiado pelos moradores com os quais o Estado conversou, Giuseppe Ferrarelo planejou com apoio de políticos, empresários e moradores uma alternativa para relançar a cidade.
Os atributos: apostar na “arte de viver”, nas especiarias da culinária local – como queijo de cabra picante e massa de feijão -, no “slow food” oferecido por alguns dos 15 restaurantes do burgo e na paisagem arrebatadora da Sicília para atrair novos moradores. Para quem procura cultura, a prefeitura garante a atividade de quatro museus, um teatro e um cinema.
“Muita gente veio de vários lugares do mundo para ver as casas que estão no centro histórico, apreciando nossa beleza, nossos monumentos e nossa arte, sobretudo nossa qualidade de vida”, diz Francesco Migliazzo, presidente da Câmara de Vereadores do burgo. “Gangi é um vilarejo muito tranquilo, que tem grande qualidade de vida.”
Mas os organizadores da iniciativa não estão preocupados em atrair qualquer morador. É preciso se identificar com o estilo de vida do burgo, explica Aldo Conte, o empresário de 59 anos. O objetivo é que os novos moradores se sintam confortáveis, e ao mesmo tempo a comunidade não se sinta transformada demais por uma invasão estrangeira.
“Pensamos em dar a possibilidade a pessoas do mundo inteiro que possam vir viver em Gangi e viver uma vida autêntica, na qual o tempo corre muito lentamente, onde a vida é feita de coisas pequenas: encontrar pessoas, poder falar, ir a um bar. É tudo isso”, diz Conte, proprietário de hotéis e restaurantes no campo e no vilarejo. “O nosso problema não é reunir mais pessoas, mas mais pessoas que gostem da ideia de viver em um burgo. Não precisamos de mais turistas. Precisamos de gente que ama este tipo de vida, que segue essa filosofia. Creio que é uma ideia vintage.”
De acordo com a prefeitura, a iniciativa é um sucesso de marketing, e vem chamando a atenção da imprensa em diferentes países. De fato, grandes veículos de imprensa da Itália, França, Austrália, Estados Unidos – e agora do Brasil – se interessaram em saber mais sobre a cidade.
O resultado positivo para o burgo veio logo. “Gangi é uma cidade linda, tranquila, pequena, que tem escala humana. É um amor à primeira vista”, entusiasmou-se o engenheiro Gerry Vitellaro, morador de Caltanissetta, na própria Ilha de Sicília, que comprou e já reformou por € 30 mil uma das casas colocadas à venda pela prefeitura. “Gangi é uma alternativa para educar meus filhos, um pouco o oposto dessa vida Facebook. Meus filhos vão jogar bola e brincar com outras crianças na vida real.”
Na quarta-feira, 27, Alessandra Buratti, 42 anos, e Olivier Patrick, 50, casal de franceses moradores de Marselha, visitou diferentes casas do burgo em busca de uma ideal para investir em uma residência de férias e fins de semana. “Nós viemos regularmente à Sicília e nos dissemos: Por que não ver?”, brincou Alessandra, que conta com um orçamento de € 30 mil para as obras. “Minha mulher quase teve um amor à primeira vista, mas eu não curti”, disse Patrick. Sua mulher completou: “Há muita reforma a fazer, mas ela tem um forte potencial. Dá para fazer algo bem simpático”. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.