Em 1943, a compositora Florence Price resolveu escrever ao maestro Sergei Koussevitzky. Então diretor da Orquestra Sinfônica de Boston, ele era a grande personalidade da vida musical nos Estados Unidos. E seu interesse pela obra de qualquer autor significava a garantia de abertura de novas portas.
"Meu caro dr. Koussevitzky. Para começar, devo dizer que tenho duas deficiências – de gênero e de raça. Sou uma mulher. E tenho algum sangue negro em minhas veias", escreveu Price, que enviou junto com a carta ao maestro uma de suas partituras. E encerrou a mensagem pedindo: "Deixe-me tranquilizá-lo dizendo que não espero ou peço nenhuma concessão em sua avaliação da obra. Eu gostaria de ser julgada apenas pelo seu mérito".
Koussevitzky nunca respondeu a essa ou a outras tentativas de contato de Price. E por mais de seis décadas suas obras se mantiveram distantes dos palcos – passando apenas recentemente por um processo de resgate levado adiante por algumas orquestras americanas e músicos em busca de redescobrir vozes que ficaram perdidas no passado.
<b>GRAVAÇÕES</b>
Peças de Price têm sido recuperadas em gravações por diversos artistas e grupos. Depois de gravar as sinfonias nº 1 e nº 3, e ganhar o Grammy 2022 com o álbum, a Orquestra de Filadélfia e o maestro Yannick Nézét-Séguin lançaram em maio os dois concertos para violino da compositora com solos de Randall Goosby.
O Quarteto Catalyst colocou no mercado em 2022 o registro de suas principais obras de câmara, ao lado da pianista Michelle Cann, que lançou na semana passada uma seleção de peças para piano – ao todo, Price escreveu mais de 200 partituras para o instrumento.
"Toda história merece ser ouvida, e histórias como a de Price foram barradas durante muito tempo", diz Cann, que está no Brasil e nesta sexta, 16, e no sábado, 17, apresenta o Concerto de Price no Teatro Municipal de São Paulo.
O caso de Florence Price está longe de ser o único do gênero na história da música. Avanços têm sido lentos. Uma pesquisa da Fundação Donne, criada pela cantora lírica brasileira Gabriella di Laccio na Inglaterra, mostra que, das 20.400 obras apresentadas por 111 orquestras de 31 países em 2022, apenas 7,7% foram escritas por mulheres – e, entre essas peças, apenas 1,02% é de autoria de compositoras negras. Na lista de autores mais apresentados, a primeira mulher aparece na 50ª posição – justamente Florence Price.
<b>Florence Price
Michelle Cann – piano</b>
Teatro Municipal.
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº.
6ª (16/6), 20h; sáb. (17/6), 17h.
R$ 12 / R$ 64.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>