Quatro anos depois de uma eleição presidencial marcada pelo disparo de desinformação em massa em aplicativos de mensagem, como o WhatsApp, por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), as plataformas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) intensificaram as ações no combate às fake news.
A preocupação, antes com grupos e canais fechados, agora é com confronto aberto, que partidários de Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não fazem questão de esconder. A denúncia sobre o disparo em massa, em 2018, provocou um pedido de investigação no TSE sobre a cassação da chapa de Bolsonaro – julgada improcedente em 2021 por falta de provas.
Nesta eleição, as queixas sobre desinformação subiram 1.971% em comparação com 2020, enquanto políticos e influenciadores desafiam a Justiça Eleitoral ao defender uma tática de "olho por olho" nas redes e ironizar decisões da Corte que pedem a remoção de conteúdos falsos e a publicação de direitos de resposta.
<b>ATAQUES.</b> Bolsonaristas associaram Lula ao satanismo, ao fechamento de igrejas e a facções criminosas ao mesmo tempo em que se dizem "censurados" pelo TSE, enquanto petistas ligaram Bolsonaro à maçonaria, pedofilia e canibalismo. Cabos eleitorais dos dois lados, como Carlos Bolsonaro (Republicanos) e André Janones (Avante), entraram na disputa.
"Estamos vendo uma guerra aberta, com dois fronts que usam armas contrárias à verdade e aos fatos, sem muita vergonha de fazê-lo, e com uma plateia que bate palma", avalia Cristina Tardáguila, fundadora da agência de checagem Lupa e diretora do International Center for Journalists (ICFJ).
Políticos, influenciadores, artistas, páginas de fofoca e anônimos entraram na discussão e colaboraram na disseminação de notícias falsas. Especialistas ouvidos pelo Estadão acreditam que esta eleição registra um recorde de engajamento digital e afirmam que o desafio de lidar com a toxicidade das redes é "fundamental" para a saúde das democracias.
"Ainda que possamos criticar a ausência de propostas, digitalmente falando, a participação política aumentou", disse Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Nos últimos anos, três redes ganharam força: os aplicativos de vídeos curtos TikTok e Kwai e o mensageiro Telegram, parecido com o WhatsApp.
O surgimento das novas plataformas exige uma atuação mais ampla no combate à desinformação e pode impulsionar a circulação de materiais problemáticos nas redes, que passam a ser alimentadas ao mesmo tempo. "As plataformas de vídeos curtos facilitam muito a criação de conteúdo e de lá esse material circula por todas as outras", afirmou o editor-chefe do projeto Comprova, Sérgio Lüdtke.
Desde o início oficial da campanha, em 16 de agosto, o Estadão Verifica e o Comprova esclareceram 217 boatos sobre as eleições. Mais da metade se referia a candidatos, em especial Lula e Bolsonaro, com 139 peças. Os ataques diretos superam até a quantidade de desmentidos sobre a integridade da eleição, incluindo teorias conspiratórias sobre a atuação do Judiciário e boatos sobre as urnas eletrônicas.
Para Lüdtke, a guerra de falsidades se relaciona com o ambiente polarizado, em que causar danos ao adversário passa a ser mais importante do que a figura do próprio candidato. "É como se fosse um vale-tudo, em que os fins justificam os meios."
<b>TELEGRAM.</b> "Se a eleição de 2018 foi marcada pelo WhatsApp, essa será marcada pelo Telegram", disse Leonardo Nascimento, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O aplicativo russo ficou conhecido por ter menor regulação de conteúdo e maior facilidade de acesso.
"Quando o WhatsApp começou a implantar restrições, o processo de automação foi prejudicado, o que levou muitos grupos para plataformas mais abertas e livres, como o Telegram", disse Nascimento. "O que eles não esperavam é que as autoridades também conseguiriam atuar dentro dele."
Para especialistas, a Justiça Eleitoral e as plataformas se empenharam mais em combater a desinformação em 2022, mas acreditam que essa atuação ainda foi incapaz de resolver o problema. Tardáguila acredita que a preparação mais adequada do TSE e o interesse das empresas foram avanços e o próprio eleitor está mais desconfiado das notícias falsas. No entanto, a escala e a capilaridade do fenômeno impressionam e existe dificuldade em lidar com o aumento do número de plataformas.
"O fato de as plataformas estarem mais engajadas e o TSE assumindo a liderança no combate à desinformação foram grandes avanços, mas é preciso ser mais ágil, comprometido e diverso", disse. Segundo ela, o problema não pode ser resolvido apenas com moderação de conteúdo e decisões judiciais.
<b>INEFICÁCIA.</b> O pesquisador Guilherme Felitti, que monitora canais de desinformação no YouTube, acredita que as redes ainda ficaram aquém do esperado em termos de agilidade e transparência.
"Tivemos alguns desenrolares preocupantes", disse ele, citando lives sobre supostas fraudes nas urnas que mesclavam vídeos do TikTok e do Kwai com acusações infundadas. "A live mais popular ficou no ar durante 23 horas. Quando foi derrubada, já tinha sido vista por 2 milhões de pessoas."
Ao <b>Estadão</b>, o TSE encaminhou uma nota dizendo que criou diversas pastas para coibir a desinformação. "O TSE é a única autoridade eleitoral do mundo a ter uma parceria com o Telegram", diz o texto.
O WhatsApp afirmou que atua na contenção da desinformação reduzindo a viralidade, combatendo abusos, colaborando com a Justiça Eleitoral e facilitando a checagem de fatos. O Telegram não respondeu o contato da reportagem.
O TikTok disse que usa uma combinação de tecnologia e o trabalho de milhares de profissionais para aplicar as diretrizes contra a desinformação e conta com parceiros para verificação de fatos. O Kwai afirma ter desenvolvido uma política específica para eleições, que restringe a busca por termos como fraude.
Twitter e Meta, empresa que controla Facebook e Instagram, não responderam à reportagem. Em seu blog, o Twitter diz que veta anúncios políticos e marca como falsas as desinformações. Em relatório, a Meta diz ter removido 310 mil conteúdos que violaram as regras de Facebook e Instagram, entre 16 de agosto e 2 de outubro, no Brasil.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>