O mesmo Congresso que subestimou despesas obrigatórias com Previdência e seguro-desemprego no Orçamento de 2021 foi responsável por turbinar verbas de órgãos chefiados pelo Centrão – em um deles, o salto foi de 224%. A ampliação das verbas para instituições dirigidas por indicados políticos do bloco foi feita por meio de emendas parlamentares, recursos indicados por deputados e senadores para seus redutos eleitorais.
As verbas repassadas para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), controlada pelo DEM e com a diretoria dividida com os partidos do Centrão, mais do que triplicaram em relação ao projeto enviado inicialmente pelo Executivo. Dos R$ 845,2 milhões iniciais, passaram para R$ 2,7 bilhões.
Os parlamentares também aumentaram o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ocupado pelo Progressistas; do Departamento Nacional de Obras Contra Secas (Dnocs), presidido por um indicado do PL; e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), comandado pelo PSD.
Durante a votação do texto, o relator do Orçamento de 2021, senador Marcio Bittar (MDB-AC), defendeu o aumento das verbas para obras e projetos de interesse eleitoral, apesar dos efeitos da pandemia na economia. Como justificativa, disse que, sem isso, os ministérios passariam por paralisação e teriam de escolher quais obras interromper. O argumento usado por congressistas é que "obra é saúde e gera emprego".
"Era preciso aprovar um Orçamento que tivesse um pouco mais de robustez e não corrêssemos o risco de que obras fundamentais, no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste, nas regiões mais atrasadas e pobres do Brasil, ficassem paralisadas", disse ele, durante a sessão do plenário que aprovou os recursos.
Procurado na quarta-feira, 31, para falar sobre esses repasses, Bittar não quis se pronunciar. Ele anunciou publicamente que concordou em cortar R$ 10 bilhões de emendas parlamentares para recompor despesas obrigatórias, mas não apontou quais verbas serão alvo dessa redução – o que terá de ser negociado com o governo e com as cúpulas da Câmara e do Senado. A proposta foi enviada para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que tem até o dia 22 de abril para dar aval ao Orçamento e fazer vetos.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já afirmou que o Orçamento, da forma como foi aprovado, é "inexequível". Também houve reação na oposição. "Essa Lei Orçamentária é irrealizável. Olha, se a ex-presidente Dilma foi impitimada por uma pedalada fiscal, como argumentam, essa Lei Orçamentária é um passeio ciclístico completo", afirmou o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
<b>Regra de ouro</b>
No caso dos R$ 2,7 bilhões repassados ao Codevasf, R$ 505,6 milhões estão "presos" e dependem da aprovação de um novo projeto de lei em função da chamada regra de ouro, que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes. As emendas parlamentares, porém, não foram colocadas nessa parte, mas entraram no Orçamento que já pode ser executado. Desde 2019, o governo precisa recorrer ao Congresso para destravar essa verba. Nos dois anos anteriores, a autorização foi dada pelos parlamentares integralmente.
No ano passado, o Congresso aprovou um projeto ampliando a abrangência de atuação da Codevasf, permitindo que o órgão execute projetos em uma região maior, atendendo a mais parlamentares. A proposta, sancionada por Bolsonaro, abriu caminho para o Congresso turbinar o orçamento da companhia. A empresa desenvolve projetos como consultoria agrária, obras de saneamento e mobilidade. A área foi ampliada para as bacias hidrográficas dos rios Araguari (AP), Araguari (MG), Jequitinhonha, Mucuri e Pardo e as demais bacias hidrográficas e litorâneas dos Estados do Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte na área de atuação da companhia.
O FNDE, por sua vez, é o órgão controlado pelo Centrão com o maior orçamento. A entrega de cargos foi feita no ano passado após o presidente Bolsonaro fechar uma aliança com os partidos do bloco para aumentar a base de apoio no Congresso. O acordo, no entanto, não foi suficiente para diminuir o apetite por verbas. O orçamento do fundo aumentou de R$ 30,7 bilhões para R$ 32,5 bilhões, com R$ 14,6 bilhões "pendurados" pela regra de ouro. O FNDE é presidido por Marcelo Lopes da Ponte, aliado do presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI).
A Funasa, outro órgão comandado pelo Centrão, entrou com R$ 2,5 bilhões no projeto do governo e saiu com R$ 2,8 bilhões no Orçamento aprovado pelo Congresso. Já o Dnocs passou a ser dirigido em 2020 por Fernando Leão, indicado pelo deputado Sebastião Oliveira (Avante-PE), na época filiado ao PL, e teve os recursos turbinados de R$ 907 milhões para R$ 1,5 bilhão.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.