O Conselho Federal de Odontologia (CFO) ingressou com ação na Justiça solicitando a suspensão de novos cursos de graduação para formação de dentistas e da ampliação de vagas ofertadas por um prazo de cinco anos. A entidade aponta, como causa, uma suposta abertura excessiva de cursos na área nos últimos anos – o número saltou de 220 para 412 em cinco anos – e relata preocupação com a qualidade do ensino.
A ação civil pública do CFO foi protocolada na segunda-feira passada na Justiça Federal do Distrito Federal, com pedido de decisão liminar. No documento, ao qual o <b>Estadão</b> teve acesso, a entidade cita o congelamento de vagas de cursos de Medicina, aprovado há alguns anos. As entidades que representam as faculdades protestam e vão tentar resolver o tema na Justiça. Procurado, o Ministério da Educação (MEC), alvo da ação, não se pronunciou até as 20 horas de ontem.
"A cada ano vem aumentando o número de autorizações de criação de cursos de Odontologia, seja em novas faculdades ou em faculdades já tradicionais", diz o presidente do CFO, Juliano do Vale. "É totalmente desordenado, não há uma geolocalização favorável para isso. Nós temos muitas autorizações em um mesmo local, o que demonstra claramente que não atende ao objetivo social", continua.
<b>EM ALTA</b>
O conselho destaca que, de 2015 a 2019, o número de instituições de ensino que ofertam a graduação em Odontologia cresceu 87%, passando de 220 para 412 cursos. Diante desse cenário, Vale afirma que, desde 2017, o conselho dos dentistas tem enviado ofícios ao Ministério da Educação, solicitando a suspensão das autorizações ou "uma avaliação mais criteriosa". Os retornos, porém, teriam sido insatisfatórios, o que fez o conselho judicializar o assunto. "Em um determinado momento, o MEC fez uma portaria suspendendo as autorizações para novos cursos de Medicina, e os de Odontologia continuaram a ser autorizados", disse, referindo-se a decisão de 2018.
Na ocasião, a classe pediu para ser incluída em decisão tomada pelo governo Michel Temer (MDB), mas não foi atendida. "A gente não quer tolher o direito de formação de profissional ou de amplo acesso à educação, mas a gente quer que formem profissionais de qualidade. A gente não pode jamais admitir que seja só uma fábrica de diploma."
A avaliação é similar à do diretor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Giulio Gavini. "Nós achamos essa movimentação extremamente importante, porque, na verdade, nos últimos anos aconteceu uma explosão de novos cursos", avalia. "Não é só uma questão de impacto no mercado de trabalho, mas é uma questão também da qualificação desses cursos que são abertos, do ponto de vista formativo."
Conforme Gavini, muitos dos cursos aprovados recentemente foram abertos em Estados onde já se têm uma quantidade de profissionais muito acima da relação dentista/população recomendada pela Organização Mundial de Saúde. "A OMS fala de um cirurgião-dentista para 1,5 mil habitantes. No Estado de São Paulo, por exemplo, há uma relação de um dentista para 600 habitantes", afirma.
<b>EFEITOS</b>
Dados do conselho indicam que, nos últimos dez anos, os novos registros de dentistas feitos por ano mais do que dobraram: foram de 12 mil, em 2012, para 27 mil, no ano passado. Para se ter um parâmetro, nos dez anos anteriores a variação foi bem menor. Os registros foram de 13,5 mil, em 2002, para 12,5 mil, em 2011. Ao todo, 381,8 mil dentistas estão registrados no conselho atualmente.
<b>REAÇÃO</b>
Entidades que representam as faculdades particulares se dizem contra o pedido de suspensão de novos cursos de Odontologia e acusam o Conselho Federal de Odontologia de tentar fazer "reserva de mercado". Dizem ainda que preveem ingressar na Justiça para responder sobre a medida.
"Nos posicionamos contra essa ação judicial por ela intervir numa atividade que é controlada, fiscalizada e avaliada pelo MEC. Ao conselho cabe aquilo que a Constituição estabelece, que é cuidar do exercício profissional", afirma José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp. A entidade representa 300 instituições mantenedoras e 700 mantidas, responsáveis por 3,2 milhões de alunos.
O posicionamento da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), entidade que representa 5,3 mil unidades educacionais, também é contrário à ação. "A gente vê com muita criticidade", afirma Bruno Coimbra, assessor jurídico da entidade.
Ele avalia ser injusta a iniciativa de congelar vagas de instituições que vêm sendo avaliadas positivamente em provas de acompanhamento de desempenho dos alunos, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). "Sempre vem a crítica do setor de que essas posições dos conselhos de classe muito mais atendem a anseios de reserva de mercado, corporativos, do que efetivamente um diálogo com o Ministério da Educação a respeito de circunstâncias regulatórias."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>