Mundo das Palavras

Conto do vigário

A manipulação sem escrúpulos dos sentimentos religiosos levou milhares de brasileiros às ruas nas principais cidades do país, em 1964, inclusive em São Paulo. As chamadas “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade” foram organizadas pelos dois falsos institutos “de estudos sociais e de ação democrática” – o IPES/IBAD. Neles, empresários e militares tramaram a queda do presidente João Goulart, inconformados com as reformas sociais anunciadas por ele. E reivindicadas também pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.


No comando das marchas, os golpistas contaram com a ajuda do padre irlandês Patrick Peyton. Este religioso é visto por pesquisadores do Golpe Militar, como Hugh Wilford e Júlio José Chiavenatto, como o agente da CIA que prestou uma grande ajuda à interrupção do regime democrático no Brasil, em 1964. Ele transformou suas supostas cruzadas em favor das orações no atendimento à exigência feita pelos militares antijanguistas de só saírem dos quartéis para implantar uma ditadura no país se existisse apoio nas ruas para eles.


A pretensa defesa da “sociedade ocidental e cristã”, feita pelos golpistas se mostrou como uma mera estratégia de chegada ao poder, com a passagem do tempo. Em 1978, no 14° aniversário da ditadura, a Igreja Católica, através da Arquidiocese de São Paulo, produziu o mais contundente documento sobre a impostura contida nas falsas preocupações religiosas dos que prepararam a queda de Goulart.


Intitulado “Repressão na Igreja do Brasil”, o documento revelou que durante aqueles anos foram mortos seis padres e um seminarista; treze padres e bispos receberam ameaças de assassinato; oito membros da Igreja (bispos, padres e leigos) foram sequestrados; outros setenta e cinco receberam intimações policiais; dez padres foram expulsos do país e dois foram banidos. Várias emissoras de rádio católicas passaram a funcionar sob censura impiedosa. Foi cassada a concessão da Rádio 9 de Julho, da Arquidiocese de São Paulo. E o jornal “O São Paulo”, também daquela arquidiocese, chegou a ser proibido de publicar até versículos da Bíblia.  


 


Oswaldo Coimbra

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