O observador da tela Profundezas do Bosque (2013), de Katia Canton, não pode imaginar que sob as folhas coloridas que povoam aquela pintura existam pequenos escritos encobertos, escondidos. “São frases sobre o feminino, a solidão”, conta a artista, que exibe, pela primeira vez em São Paulo, um conjunto de suas obras recentes, reunidas, agora, na mostra Ontem, em cartaz até 4 de abril na Paralelo Galeria, em Pinheiros. Especialista em contos de fadas, Katia Canton, que também é escritora, educadora e curadora, “revisita” o lúdico através de histórias e personagens do passado – entre eles, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel e Barba Azul – como “busca da reinvenção pela fantasia, pelo sonho”, afirma.
A exposição concatena, na verdade, diversos ramos de interesse da multipesquisadora – atualmente, professora docente e vice-diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP, a artista também estudou dança, arquitetura e jornalismo. A prática do desenho sempre foi natural em sua vida, explica, assim como o gosto pela interdisciplinaridade e pelas narrativas antigas que tratam, desde sua origem celta, de temas cruéis, apesar de parecerem encantadoras com seus príncipes e princesas.
“Essas histórias não são tão infantis quanto conhecemos, são uma herança muito arcaica, rica”, diz Katia Canton, premiada em 1994 pelo Gale Research Institute de Michigan por seu livro The Fairy Tale Revisited (O Conto de Fadas Revisitado), lançado nos EUA e na Europa. Na galeria, de frente para uma série de criações figurativas que misturam aquarela e nanquim, a artista pontua, por exemplo, que o desenho Pelo de Asno menciona não apenas o conto escrito pelo francês Charles Perrault no século 17, mas a narrativa mais remota sobre o incesto que o originou. Já A Bela Adormecida refere-se também a práticas medievais de estupro, esclarece.
Sendo assim, a exposição Ontem, com curadoria de Eliane Dias de Castro, ocupa-se “do lugar da memória”. “As obras enunciam uma força sensível e atualizam a sua singular experiência no feminino pelo viés de diferentes sensações, mobilizadas por imagens produzidas em experiências de qualidades paradoxais: fantasiosas, delicadas, esgarçadas, devastadas, prazerosas, ilusoriamente persistentes, provocantes”, define a curadora. “As histórias podem ser reescritas de uma forma menos dura com as mulheres”, afirma Katia Canton, que também vai apresentar, este ano, individuais no Museu de Arte de Joinville, em Santa Catarina, e no Atelier Esthia, em Roma, e participar de coletiva na Alemanha.
Além de pinturas como Profundezas do Jardim e O Sonho de Mauro; e de aquarelas, o público pode ver na mostra, vale destacar, a série Espelho Meu, formada por obras feitas, experimentalmente, com esmalte de unha e outros aparatos femininos usados para “seduzir”. Katia expõe, ainda, conjunto de fotografias realizadas entre 2009 e 2015; esculturas em forma de pequenas casas de boneca que se transformam em trabalhos sonoros nos quais ela declama alguns de seus poemas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.