O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse na tarde desta quarta-feira, 16, que o "Brasil está de volta" ao debate climático global, falou no desafio de enfrentar o aquecimento global em meio a múltiplas crises e destacou que "não existem dois planetas Terra". Em pronunciamento na área da Organização das Nações (ONU) da Cúpula do Clima (COP-27), em Sharm el-Sheik, no Egito, ele também cobrou mais ajuda financeira dos países desenvolvidos às nações vulneráveis no campo ambiental.
"Não haverá futuro enquanto estivermos cavando um poço sem fundo entre ricos e pobres", disse Lula, que lembrou do compromisso firmado pelos países ricos em 2009, de oferecer, a partir de 2020, US$ 100 bilhões anuais para que as nações mais pobres enfrentassem os efeitos da crise climática. "Esse compromisso nem foi nem está sendo cumprido", criticou.
Lula também participou da Conferência do Clima de 2009, quando essa verba foi prometida. O modelo e as cifras para oferta desses recursos são considerados temas-chave da COP neste ano, mas enfrenta dificuldades de avançar diante das restrições econômicas e de negociação impostas pela pandemia e pela Guerra na Ucrânia.
Isolamento
É a segunda fala pública do petista na conferência, que participa de primeira agenda no exterior após o resultado das eleições. "O combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do próximo governo", destacou, repetindo a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia. Mais cedo, Lula disse em outro espaço da COP que pretende tirar o Brasil do isolamento e vai pedir à ONU para que a conferência de 2025 seja realizada em alguma cidade que tenha o bioma.
Com fortes críticas à gestão de Jair Bolsonaro, quando a floresta sofreu com uma escalada na devastação, ele disse que serão recriadas e reforçadas as estruturas para combater os crimes ambientais, destacou o protagonismo dos indígenas na defesa do bioma e salientou o compromisso de criar um novo ministério, o dos Povos Originários. Ainda segundo ele, a sobrevivência da Amazônia e do planeta dependia do resultado das eleições no Brasil. "É possível gerar mais riqueza sem piorar a mudança climática."
No discurso de quase 30 minutos, Lula também destacou efeitos devastadores de eventos climáticos extremos na Europa, na África, na Ásia e nos Estados, além de falar sobre a seca histórica que o Brasil enfrentou em 2020 e no ano passado. Ele também destacou o desafio de avançar na pauta ambiental enquanto o planeta sofre com múltiplas crise, como a do risco de um conflito nuclear, de abastecimento e de energia, da biodiversidade e o aumento dos desníveis sociais.
O presidente eleito falou ainda sobre a importância de reativar o Fundo Amazônia, após a paralisação do programa durante a gestão Bolsonaro. Alemanha e Noruega, as principais doadoras do Fundo, sinalizaram que vão retomar doações após a vitória do petista nas eleições. "Estamos abertos à cooperação internacional", disse Lula, em discurso antagônico ao de Bolsonaro, que critica a interferência estrangeira em assuntos ligados à Amazônia.
O presidente eleito disse também que, quando o Brasil presidir o G-20 (grupo das 20 economias mais ricas) a partir de 2024, a agenda climática será uma prioridade.
Cobranças à ONU
Por outro lado, na tônica dos discursos da política Sul-Sul que Lula assumiu em seus dois primeiros mandatos (2003-2010), Lula cobrou uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, criticou a prevalência de países ganhadores da Segunda Guerra Mundial no órgão e falou em criar uma governança global. Em outra mensagem à comunidade internacional, disse que vai honrar o compromisso firmado pelo Brasil com Indonésia e Congo para a proteção da cobertura vegetal, iniciativa que ficou conhecida como a "Opep das florestas".
Lula também fez uma sinalização ao setor produtivo. "O agronegócio será aliado estratégico na busca de uma agricultura regenerativa e sustentável", afirmou. Segundo o presidente eleito, não é preciso desmatar nenhum "metro de floresta" para garantir a geração de riquezas e a segurança alimentar no mundo.
O petista é visto com atenção pela comunidade internacional, que espera uma guinada na política brasileira de proteção da floresta e combate ao aquecimento global após quatro anos de enfraquecimento dos órgãos ambientais na gestão Bolsonaro. O atual presidente não foi ao evento.
Às 11h (horário de Brasília), uma hora antes de o presidente eleito iniciar seu segundo discurso do dia na COP, uma multidão lotava o auditório da ONU reservado para o brasileiro. Acotovelados, brasileiros e estrangeiros esperavam dentro e fora do local.
"O Brasil está de volta ao mundo", disse Lula na manhã desta quarta em evento no pavilhão dos governadores amazônicos no evento. "Vamos trabalhar para acabar com a fome e a degradação das florestas", acrescentou ele, para uma plateia de mais de 300 pessoas e sob grande cobertura da imprensa internacional.
A organização do evento foi obrigada a abrir mais um auditório para comportar os presentes. Nessa outra sala para mais de 300 lugares o discurso de lula foi transmitido por um telão.
No pavilhão, Lula foi saudado com cânticos e aplausos de brasileiros e estrangeiros. Para atender à demanda de quem queria presenciar a primeira aparição pública internacional do presidente eleito, o espaço da sociedade civil brasileira transmitiu em tempo real o evento, a poucos metros do local.
O pedido para que algum Estado que abrigue a floresta seja a sede da conferência climática de 2025 foi feito pelo governador paraense, Helder Barbalho (MDB), líder do consórcio dos governadores e autor do convite para que o petista participasse do evento. Lula disse que vai indicar o Pará ou o Amazonas para receber a cúpula.
Nesta terça-feira, 15, o presidente eleito também participou de encontros fechados com o enviado especial para o clima do governo americano, John Kerry, e com o alto representante chinês para o clima, Xie Zhen Hua.
Há expectativa para que Lula anuncie o nome do novo ministro do Meio Ambiente entre esta quarta e quinta, 17, quando também cumpre agendas no fórum climático global. Entre os cotados para assumir a pasta do Meio Ambiente estão a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que estão na comitiva de Lula na conferência.
Também estão na COP dois cotados para assumir o novo Ministério dos Povos Originários, promessa do petista durante a campanha: a deputada federal eleita Sônia Guajajara (PSOL-SP) e a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR).
Questionado pela manhã sobre o possível anúncio de nomes para o governo, Randolfe afirma que isso não deve ocorrer tão cedo. "Esse é um processo que está sendo feito no Brasil. o presidente já disse que os anúncios devem ser feitos só quando voltar ao País", afirmou o parlamentar.