No momento em que a pandemia do novo coronavírus acelera rapidamente e ultrapassa 420 mil casos, a maioria das nações africanas já adota procedimentos para tentar reduzir o contágio – de fechamentos de igrejas a cancelamentos de casamentos e funerais, passando por confinamento social e proibição de aglomerações. Até o momento, pelo menos 44 dos 54 países já registraram casos – em um ritmo mais lento mas não menos preocupante do que o de outras regiões.
Apesar do número baixo em relação aos mais de 220 mil da Europa ou os 100 mil da Ásia, há preocupações de que a infraestrutura deficiente, a alta concentração de pessoas e o sistema de saúde precário de muitos países possam facilitar o avanço do vírus no continente de 1,2 bilhão de habitantes.
"Os números africanos são menos alarmantes do que se poderia imaginar, mas a ideia de que os países da África estão deixando de lado o controle do coronavírus é um mito", afirma o presidente do Instituto Brasil-África, João Bosco Monte, que esteve no Senegal na última semana. "Nos dias que estive lá, o país estava adotando todos os cuidados possíveis". Ele relata que teve contato com autoridades de outras nações e viu precauções sendo tomadas.
Para Monte, os países mais afetados devem ser aqueles com maior fluxo de estrangeiros, como o Egito e a África do Sul – juntos, têm 155 milhões de habitantes. Ele citou ainda o Marrocos, devido à proximidade com a Europa, e o Quênia, a principal economia da África Oriental, que tem portos importantes. Monte também lembrou da Etiópia, sede da União Africana de Nações e de organizações internacionais. Em vários desses países, milhões de pessoas vivem em comunidades com infraestrutura deficiente e muito concentradas.
"Estamos falando de 54 países com realidades e idiossincrasias que precisam ser respeitadas, mas a narrativa mundial de isolamento e de distanciamento social e as recomendações da Organização Mundial da Saúde estão sendo consideradas".
Nesta semana, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, afirmou que os governos devem mobilizar todos os setores da sociedade a seguir as orientações. "Eles estão testando, identificando os contatos anteriores e isolando os casos. Continuem fazendo isso, é o que vai nos fazer reduzir e controlar a pandemia", afirmou. "O número de casos nos países africanos é pequeno ainda, mas isso pode mudar", alertou.
<b>Medidas</b>
Do norte ao sul do continente há medidas para conter o avanço do coronavírus. A África do Sul impôs um confinamento de 21 dias nesta semana – o país é hoje o mais afetado, com 709 casos. No Senegal e na Costa do Marfim, no oeste do continente, os governos decretaram estado de calamidade, restringiram a circulação de pessoas e de viagens internacionais. O mesmo ocorreu para 86 milhões de habitantes da República Democrática do Congo.
Com 190 milhões de habitantes, a Nigéria, baniu voos internacionais, proibiu aglomerações de pessoas e fechou fronteiras terrestres. O Marrocos fechou as fronteiras, escolas, lojas, empresas, cafés e mesquitas. Restringiu viagens internacionais e o movimento entre as cidades. Nas ruas, integrantes das Forças Armadas obrigam os moradores a entrarem em casa. Apenas um membro de cada família pode ir fazer compras. E os que trabalham precisam mostrar um documento às autoridades ou enfrentar até três meses de prisão.
Uma das dificuldades impostas pelo isolamento no continente, no entanto, é o fato de o trabalho informal ser a principal fonte de renda para milhões de famílias africanas, de modo que um isolamento social ou parcial pode acabar com a renda delas.
O governo da Etiópia já afirmou que o coronavírus é uma ameaça existencial à economia de nações africanas, pedindo o alívio de dívidas e US$ 150 bilhões em financiamento de emergência. "As economias africanas estarão vulneráveis diante de um declínio dramático nas exportações, o rompimento das cadeias globais a redução de viagens e turismo", disse o primeiro-ministro Abiy Ahmed em um comunicado às vésperas de uma reunião do G-20.