Com o tempo, os feriados religiosos no Brasil foram perdendo seus significados originais. Tornaram-se dias para ir para praia ou campo, relaxar, descansar. Foram criados para lembrar coisas importantes, mas se tornaram dias para esquecer as coisas árduas do cotidiano.
A Igreja está a serviço da pessoa. Que bom que seus feriados sirvam para ajudá-las a descansar. Mas talvez alguma coisa se perca neste esquecimento de seu significado original. Grandes festas, em qualquer religião, comemoram e trazem à luz, de forma nem sempre consciente, grandes arquétipos e grandes desejos de nosso coração.
Corpus Christi, que celebramos nesta quinta-feira, 4 de junho, é a festa do Deus que no sacramento da Eucaristia (mais conhecido popularmente como “comunhão”) se deixa “comer” pelos homens.
Corresponde a pelo menos dois grandes arquétipos que se encontram na raiz de vários mitos e rituais: comer a carne de homens valorosos para adquirir seu valor (não era à toa que os romanos imaginavam que os primeiros católicos praticavam o canibalismo) e o deus que se sacrifica para dar alimento à humanidade faminta (esta é, para muitos povos tribais, a origem da mandioca da América e da fruta-pão do Pacífico).
Mas nós pensamos que arquétipos, mitos e ritos são coisas primitivas, superadas pela nossa racionalidade pragmática, por nosso realismo desencantado. Melhor descansar e relaxar do que se perguntar sobre os grandes desejos do nosso coração.
Talvez a culpa seja de muitos católicos que deixaram de dialogar com os grandes desejos do ser humano para contentar-se com moralismos e formalismos. O grande poeta T.S. Elliot se perguntava: foi a humanidade que abandonou a Igreja ou a Igreja que abandonou a humanidade?
Mas Corpus Christi permanece aí, desde os tempos medievais, uma festa que celebra não o peso do auto sacrifício de Deus, mas a alegria do povo que encontrou a possibilidade de viver a comunhão e a unidade com este Deus, de tê-lo para si, apesar de todos os limites humanos.
Os poderosos do mundo não se sacrificam pelos fracos, mas por amor à Infinitude do Cosmos se dobrou para habitar o coração de cada pequeno deste mundo.
Corpus Christi fala de uma promessa aparentemente louca. Mas, neste mundo louco, não será mais sensato buscar a aparente loucura que corresponde a nosso coração?
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.