Com o avanço da vacinação contra a covid-19 em São Paulo, corredores se sentem mais seguros para voltar às ruas. É um movimento quase silencioso – a não ser pelas batidas ritmadas dos tênis no asfalto – pá, pá, pá, pá – que mostra a retomada da atividade física de forma coletiva. É a volta dos grupos de corrida.
Os atletas amadores já estão de volta a várias partes da cidade. Depois de retomar os treinos em julho, o grupo "Corredores da Zona Norte", um dos mais tradicionais da região, está cada vez mais encorpado. O coordenador Marcelo Avelar calcula que 70% dos 518 associados já voltaram a praticar as atividades ao ar livre.
Por isso, a avenida Braz Leme, um dos pontos de encontro do grupo na Zona Norte, voltou a ficar movimentada nas manhãs e tardes. Mesmo com as frentes frias. Também é possível encontrar corredores do grupo em treinos especiais, como o que aconteceu em agosto, na Rodovia Caminhos do Mar, a Estrada Velha de Santos, em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo.
Uma das corredoras do grupo é a publicitária Karina Teixeira, que compara o retorno aos treinos presenciais aos primeiros contatos de uma criança com o mar. "No começo, ela fica olhando e corre para trás. Depois, coloca um dedo. Em seguida, deixa a água fria molhar o pé. E recua de novo. Depois, já está com a água até a cintura", brinca a corredora de 32 anos.
"A minha primeira pisada na água foi no interior de São Paulo, correndo sempre com máscara. Eu senti falta de fôlego, mas estava muito feliz", continua. Depois de "pisar na água", Karina passou a correr perto de sua casa, no centro de São Paulo. Foi difícil, mas ela redescobriu a corrida nas calçadas. Agora está sempre na Braz Leme. Detalhe: ela já tomou as duas doses da vacina Coronavac.
Profissionais do setor afirmam que o fator determinante para o aumento do número de corredores nos últimos meses é o avanço da vacinação contra a covid. De acordo com a secretaria estadual de Saúde, já foram 40 milhões de doses de vacina contra aplicadas na população. Mais de 25% já está totalmente imunizada após ter tomado duas doses das vacinas Butantan/Coronavac, Fiocruz/Astrazeneca/Oxford e da Pfizer ou por dose única da Janssen. Cerca de 64% da população absoluta já recebeu ao menos uma dose.
"A vacinação está diretamente relacionada com a retomada. Os corredores se sentem mais seguros e isso acaba se refletindo nos números e em todo o cenário", opina Paulo Carelli, presidente da Associação Brasileira de Corridas de Rua e Esportes Outdoor (Abraceo).
Essa é a mesma opinião de Luciana Dias, diretora de marketing da Associação dos Treinadores de Corrida (ATC). "Nós tivemos vários momentos de retomada, como no ano passado e no início deste ano. A diferença agora é a vacina. Com a vacinação, as pessoas estão voltando e se sentem mais confiantes, até aqueles que estavam com medo de sair", diz a especialista.
É uma tendência nacional. No mês de julho, o avanço da vacinação estimulou a realização de eventos com número reduzido de participantes no Amazonas e Paraná. Em Santa Catarina, a retomada foi no dia 1º de agosto com uma corrida de cinco quilômetros para 300 pessoas. Inicialmente prevista para 6 de junho, a prova foi adiada por duas vezes em função do aumento dos casos de covid-19.
Para a professora Thatyana Palmeira, de 42 anos, a vacina representa a segurança de retomar as atividades coletivas. Ela tomou a primeira dose em junho e a segunda será em agosto. "A vacina me deixa mais segura para correr na rua e treinar com o grupo. Tenho a consciência da necessidade de continuar tomando todos os cuidados necessários mesmo vacinada", diz a personal trainer.
DATAS OFICIAIS – Paralelamente aos enxames de corredores nas ruas e parques, a retomada das corridas possui alguns marcos oficiais. O primeiro deles foi ainda no início com a reabertura das academias no início de maio. O segundo marco será no final do mês. A Abraceo vai promover uma corrida de dez quilômetros no dia 29 no retorno das corridas de rua à capital paulista após um ano e meio de paralisação devido à pandemia. A prova será o evento-modelo de corrida dentre os trinta anunciados pelo Governo de São Paulo para o segundo semestre.
Devido aos protocolos de segurança, a corrida terá 1.200 atletas. Todos os inscritos deverão apresentar teste negativo para covid-19 até 48 horas antes da prova. Além disso, todos os corredores serão monitorados depois da prova.
O mercado é um gigante que começa a dar os primeiros após ficar completamente parado por conta das restrições impostas pela pandemia. Segundo a Federação Paulista de Atletismo, foram realizadas 458 corridas oficiais em São Paulo no ano de 2019. No mesmo ano, os dados consolidados das maiores plataformas de inscrições do segmento esportivo registraram mais de 5 mil eventos. Hoje, existem mais de 500 empresas organizadoras de eventos esportivos no Brasil. De acordo com a Abraceo, as corrida de rua, trilha, montanha e de aventuras abrange 11 milhões de praticantes no Brasil.
A vacina não é uma condição imprescindível para a volta aos treinos presenciais. O comprovante não é exigido no momento da inscrição, por exemplo. Muita gente se sentiu segura para voltar antes da vacinação, assim que as atividades ao ar livre foram liberadas. É o caso da fonoaudióloga Maria do Carmo Branco, de 44 anos.
"Eu me senti segura mesmo sem ter tomado a vacina. Estava usando máscara, sem proximidade com as pessoas. Além disso, a corrida de rua permite que eu esteja sozinha e ao ar livre. Eu senti segurança e necessidade. A gente fica bem física e mentalmente, e imunidade tende a melhorar", explica.
A empresária e psicóloga Denise Beltrami, de 55 anos., pensa de maneira semelhante. "Por fazer parte de uma assessoria de corrida, com todos os professores bem treinados e nos orientando muito bem, eu acabei me sentindo segura pra essa volta. Corremos sempre de máscara e tomamos todos os cuidados. Hoje já estou com as duas doses mas continuamos fazendo uso de todos os protocolos necessários", completa.
PERDAS – Não é fácil voltar. Principalmente naqueles casos em que os grupos ou as famílias sofreram perdas por causa da covid-19. Esse é o caso da assessoria esportiva Find Yourself, que fica na Saúde, zona sul de São Paulo. Luiz Fernando Bernardi, professor e responsável técnico, faleceu de covid no dia 21 de setembro do ano passado após 35 dias de internação. Quem passou a treinar a equipe foram os professores assistentes que já trabalhavam no grupo.
A mulher dele, Cleni Bernardi, decidiu levar o negócio em frente. "Quando ele estava doente, ele disse que talvez eu não levasse o negócio adiante, mas era o sonho dele. Eu decidi seguir por ele e pelos meus filhos", diz a empresária e mãe de dois filhos, de 14 e 7 anos, que cuida da parte administrativa e do acolhimento aos corredores.
O grupo sentiu o baque. Dos 130 alunos, apenas 90 voltaram por enquanto. Não é possível precisar se ainda sentem a perda do professor ou se ficaram desestimulados pelo momento da pandemia. Todos correm no Parque da Água Branca, zona oeste da cidade, de manhã e à tarde.
Cleni conta que a grande parte já tomou pelo menos a primeira dose da vacina contra a covid-19. "Nós sentimos o efeito da pandemia da pior forma possível. Por isso, os cuidados são redobrados. Não descuido um minuto", diz a administradora.
Esses cuidados indicam que a retomada impõe uma nova realidade – como acontece em praticamente todos os setores. Todos os grupos de corrida ouvidos pelo Estadão adotam o uso obrigatório de máscara e álcool em gel. Também procuram manter certo distanciamento, mesmo estando vacinados. A dinâmica das atividades também mudou. Os colchonetes usados para exercícios de alongamento, por exemplo, agora não são mais compartilhados. Cada um tem o seu. Tirar a máscara? Só para beber água.
Habituado ao uso da máscara para correr – contrariando uma reclamação quase generalizada entre os corredores – o aposentado Abelardo Recco não parou de treinar em nenhum momento da pandemia. Ele integra o grupo que perdeu o professor para a covid. Quando o Parque da Água Branca esteve fechado, ele começou a correr na Avenida Sumaré, zona oeste, perto de onde mora. Corria sozinho.
Desde o mês passado, retomou o contato com o grupo com os encontros realizados três vezes por semana. "O grupo é uma confraternização. Todo mundo conhece a família, dá notícias e se conhece. Senti falta dessa confraternização", diz o aposentado de 61 anos.