Estadão

Correção: Clube vip de empreiteiras da Lava Jato tenta rever acordos de leniência

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Diferentemente do que informou a primeira versão desta reportagem, o valor do investimento público e privado em infraestrutura em 2020 foi R$ 124,8 bilhões e não milhões. Segue o texto corrigido:</i>

No auge da Lava Jato, acordos de leniência eram tratados nas empreiteiras alvo da operação como o único caminho para a sobrevivência. Agora, a expressão usada nas empresas para se referir aos contratos é outra: "bomba relógio". Sob argumento de que estão em sérias dificuldades financeiras, empreiteiras que concordaram em pagar bilhões ao erário pelos desvios confessados tentam repactuar os débitos – seja em relação ao valor ou às condições de pagamento.

Segundo o <b>Estadão</b> apurou, Novonor (antiga Odebrecht), Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC estão neste grupo. Segundo delatores da Lava Jato, ao lado da OAS, este grupo de empreiteiras formava uma espécie de "clube vip", que se associava para fraudar licitações e superfaturar contratos.

As cinco concordaram em celebrar acordos de leniência bilionários com as autoridades públicas. Os acordos de natureza administrativa são uma espécie de delação premiada das pessoas jurídicas.

"O que posso assegurar, como um observador privilegiado, seja pela condição de advogado ou docente, é que existe mais do que interesse, existe uma necessidade vital das empresas. Se não houver essa redefinição de valores estaremos assegurando o fim do instituto do acordo de leniência", afirmou o advogado Sebastião Tojal, que foi responsável pelo acordo da Andrade Gutierrez e da UTC. Ele não quis comentar casos concretos.

As cinco leniências firmadas com a União somam R$ 8 bilhões, dos quais cerca de R$ 1 bilhão foi pago até hoje, segundo informações disponíveis no site da Controladoria-Geral da União (CGU).

Durante as apurações, os investigadores apostaram no estabelecimento de um valor alto, mas com pagamento prolongado. Em julho de 2018, a Odebrecht concordou em pagar R$ 2,72 bilhões pelos desvios confessados pela empresa e seus executivos. O montante foi parcelado em 22 prestações anuais. O modelo se repete com as demais empreiteiras, podendo chegar a 28 anos, no caso da OAS.

<b>Argumentos</b>

As empresas listam argumentos para defender a revisão dos acordos. Entre eles, a dificuldade em voltar a contratar com o poder público, somada à crise econômica agravada pela pandemia, que faz com que elas não tenham o fluxo de caixa imaginado quando fecharam os acordos. Ponderam ainda que o fim das grandes obras públicas e a recessão econômica no País derrubaram o investimento público e privado em infraestrutura desde 2014, quando chegou a R$ 188,5 bilhões. Em 2020, o valor foi de R$ 124,8 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). A história das empreiteiras nos últimos oito anos acumula casos de venda de ativos, recuperação judicial, demissões e dívidas bilionárias – incluindo as derivadas das multas e indenizações estabelecidas na Lava Jato.

Na visão das empresas, os acordos não resultaram na tranquilidade operacional esperada. Uma das principais queixas é em relação ao descompasso de ações de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU), CGU e Ministério Público Federal (MPF). Medidas desencontradas, segundo as empreiteiras, causaram mais insegurança e dificuldade de contratação com o poder público. Para o advogado de umas das construtoras, a empresa não pode assumir "uma obrigação que seja um suicídio".

"Esses acordos buscam, de um lado, indenização. De outro, compromissos de integridade e, finalmente, informações a partir das quais a autoridade possa promover investigação", observou Tojal.

"A indenização acabou por prevalecer sobre os demais objetivos. Salvar a instituição acordo de leniência significa redefinir valores que possam ser pagos sob pena de a empresa não conseguir indenizar e deixar de cumprir as outras funções." O advogado defende que haja uma definição política sobre a questão. A demora da via judicial, segundo ele, será fatal para as empresas.

Conforme advogados, o debate sobre a repactuação dos acordos ganhou força nos escritórios que negociam em nome das empresas conforme as condições econômicas de cada uma delas se deterioram e o risco da inadimplência aumenta. A Lei Anticorrupção, que fundamenta os acordos de leniência, entrou em vigor no início de 2014. Desbaratada no mesmo ano, a Operação Lava Jato foi o primeiro e maior teste para o instrumento desde então.

A série de derrotas sofridas pela Lava Jato no ano passado contribui para a insatisfação das empresas com a multa acordada. "Muitos desses acordos consideraram fatos ilícitos à época de sua celebração, que foram considerados lícitos ou de menor gravidade posteriormente em processos penais. A empresa assumiu pagar uma reparação por algo que depois não foi considerado um dano ou foi considerado um dano menor", disse o advogado Walfrido Warde, presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IRREE).

<b>Prazos</b>

Algumas empresas buscam mudar a forma de pagamento e esticar prazos. Outras tentam diminuir o valor acordado, um caminho considerado mais difícil, conforme a maior parte dos advogados ouvidos pelo <b>Estadão</b>. Segundo pessoas que acompanham o caso da Odebrecht, o pedido da empresa é para conseguir um alívio nas prestações devidas até 2025. A partir daí, assumiria valores mais altos para honrar o montante total acordado. O ano de 2025 é também o compreendido no plano de recuperação judicial do grupo, que tinha quase R$ 100 bilhões em dívidas.

As manifestações de empresas com pedido para alterar as condições da leniência correm em sigilo. Advogados tentam negociar diretamente na CGU, que passou a centralizar a atuação sobre leniência. Tojal, único dos advogados de empreiteiras consultados que aceitou falar publicamente sobre o tema, nega que a diminuição de valores signifique que o Estado não será ressarcido por danos causados por corrupção.

Empresas negociam repactuação com CGU e Procuradoria no Paraná
A Controladoria-Geral da União (CGU) confirmou que há solicitações de empresas relacionadas às obrigações financeiras nos acordos de leniência, mas não comentou os casos em andamento. Segundo a pasta, os valores são definidos "a partir de análise técnica dos critérios previstos no ordenamento jurídico, estando diretamente relacionados aos ilícitos reconhecidos pelas empresas colaboradoras".

Dessa forma, a CGU destaca que "não há possibilidade de alteração dos valores previamente pactuados, exceto em situações excepcionais previstas nos próprios instrumentos negociais, a exemplo de ampliação do escopo".

Ao <b>Estadão</b>, o Ministério Público Federal (MPF) no Paraná afirmou que duas empreiteiras "estão em processo de repactuação". Segundo o órgão, uma delas é a Novonor, antiga Odebrecht, e a outra é a Andrade Gutierrez. A primeira, conforme o MPF, está em "processo de repactuação para cumprimento integral do inicialmente acordado". Já a Andrade Gutierrez está "fazendo o reperfilamento da dívida".

Segundo dados da CGU, desde 2015 foram celebrados acordos de leniência de R$ 15,6 bilhões (nem todos no âmbito da Lava Jato), dos quais cerca de R$ 6 bilhões já foram pagos. No ano passado, procuradores da Lava Jato afirmaram que quase metade dos R$ 12,6 bilhões previstos em leniências foi paga. O MPF não discriminou os valores. Há casos de empresas que assinaram leniência só com um dos órgãos.

<b>Greenfield</b>

A J&F, holding da alimentícia JBS, foi uma das primeiras empresas a partir para o caminho da revisão, que vai além da redefinição de valores ou condições pleiteadas pelas empreiteiras. O grupo dono da JBS argumenta que o valor foi estabelecido totalmente fora dos parâmetros previstos em lei. A empresa diz que erros jurídicos e de cálculo levaram o MPF a chegar aos R$ 10,3 bilhões previstos para devolução, no acordo assinado em 2017 no âmbito da operação Greenfield. A defesa pede à Justiça para que o valor pago seja reduzido para R$ 3,6 bilhões. Até agora, não houve acordo ou decisão conclusiva sobre o pedido na Justiça.

<b> Adimplência </b>

A Andrade Gutierrez não quis comentar o assunto. A Camargo Corrêa afirmou que está "em situação de adimplência" em relação aos acordos firmados no âmbito da Lava Jato. "Isso inclui as obrigações financeiras, o compromisso de colaboração constante e de melhorias na governança e no compliance", respondeu a empresa.

A Novonor afirmou que "a empresa respeita e cumpre os acordos de leniência firmados e reforça que estes acordos são sigilosos". A UTC não havia respondido até a conclusão desta edição.

<b>Delação de executivos implicou classe política</b>

Os acordos de leniência foram homologados pela Justiça Federal do Paraná entre 2015 e 2017 e firmados no momento em que executivos de empreiteiras, presos pela Lava Jato, fizeram delação premiada, implicando políticos de diversos partidos. Uma das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no caso Sítio de Atibaia, teve como base a delação premiada e provas do acordos de leniência da Odebrecht.

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