Apesar de a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação, ter lançado anteontem um programa emergencial para apoiar pesquisas voltadas ao enfrentamento de surtos, epidemias e pandemias, um corte de bolsas instituído por portaria no dia 9 já afeta grupos de pesquisa que buscam justamente respostas à pandemia de covid-19.
O Estado apurou que ao menos três programas de pós-graduação que se organizaram para trabalhar com os desafios do coronavírus – e têm notas 6 e 7 na avaliação da Capes – sofreram redução de recursos.
Um ofício da instituição foi enviado anteontem a pró-reitores de pós, informando que houve equívoco nas reduções e "serão restituídas cerca de 6 mil bolsas", mas os pesquisadores ainda vivem insegurança. O sistema de controle de bolsas só será aberto na segunda-feira e, até lá, eles ainda não sabem se serão ou não contemplados.
É o caso do médico Guilherme Camargo Brito, de 26 anos, 1º lugar no Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde da PUC-RS. Pelo bom desempenho, tinha recebido da coordenação a certeza de que teria bolsa, que seria paga a partir de março.
Brito pediu demissão do emprego que tinha como médico em um posto de saúde de Porto Alegre e ingressou no começo do ano na pós. Seu projeto tem como foco a doença de Alzheimer, mas a emergência da covid-19 se impôs e ele passou a compor a força-tarefa criada pelo seu orientador, o médico Jaderson Costa da Costa, coordenador do Instituto do Cérebro da PUC-RS, para fazer pesquisas em prol do combate e contingenciamento da covid-19.
Pela experiência que já tinha com ciências de dados, sua ideia era usar inteligência artificial para mapear onde estão as pessoas com maior vulnerabilidade, começando por Porto Alegre. "Quando estava no auge de produzir as informações, veio a notícia de que as bolsas tinham sido cortadas. A minha e as de cinco colegas da força-tarefa."
A notícia chegou na semana passada e, até anteontem à tarde, Brito estava tentando descobrir como faria para arrumar emprego, pagar o curso e continuar a pesquisa. Ontem, pareceu surgir uma luz no fim do túnel: ele compartilhou com a reportagem o ofício da Capes que aponta a "falha ocorrida na geração de empréstimos". "Se for isso mesmo, excelente notícia."
<b>Perda</b>
Na USP, o programa de Microbiologia – nota 6 na Capes -, com ao menos cinco docentes trabalhando com o vírus, perdeu oito bolsas. Beny Spira, coordenador da pós, viu o ofício da Capes, mas diz que, no sistema, o programa aparece com só 34 bolsas, em vez das 42 que tinha antes. Pelo programa emergencial que a Capes criou para apoiar pesquisas voltadas para a epidemia, com 2,6 mil bolsas previstas, Spira deve receber seis novos auxílios. "Mas não repõe as que perdemos."
Nos últimos dias, veio à tona o caso do biomédico Íkaro Andrade, de 23 anos, aprovado no doutorado em Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB). Ele já trabalhava no sequenciamento do genoma do vírus isolado, quando soube da perda de bolsas. O caso foi mencionado pelo biólogo Átila Iamarino nas redes sociais. Na quarta, a Capes fez comunicado dizendo que ele não era bolsista. De fato, a bolsa ainda não tinha sido implementada, o mesmo que ocorreu com Brito, mas ambos contavam com o recurso, que seria ofertado tão logo as universidades os recebessem.
Mas o programa da UnB tem avaliação 4 na Capes. O órgão disse que cursos com essa nota, no modelo atual, não poderiam incluir novos bolsistas. O rapaz, que se mudou do Tocantins para Brasília, já disse que terá de voltar na falta da bolsa.
O virologista Fernando Lucas de Melo, coordenador da pós, diz entender a prioridade a cursos de nota mais alta, mas lamenta que, com isso, fica difícil elevar a qualidade. "Querer que uma pessoa faça doutorado sem bolsa, 40 horas por semana no laboratório, é desconhecer a realidade dos doutorados nas ciências biológicas e médicas."
<b>MPF</b>
O Ministério Público Federal entrou na Justiça contra a Capes, por ter estabelecido novas regras de concessão de bolsas de forma "abrupta". Para o MPF, a Capes violou os princípios de segurança jurídica e boa-fé da administração e houve violação ao direito adquirido, porque os alunos, além de perder as bolsas, já haviam modificado as suas vidas para conseguir prosseguir com os estudos.
A soteropolitana Bruna Capinã, selecionada para a UFRGS, está entre os que procuraram o MPF. A Capes não se pronunciou e, nas redes sociais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que não houve corte.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>