A pandemia aprofundou a incerteza e a instabilidade na América Latina pelo segundo ano seguido, sendo usada por governos para restringir as liberdades civis. No último ano, mais da metade dos países da região tiveram piora nos índices de democracia, acendendo um sinal de alerta para o futuro.
A constatação é do Índice de Risco Político da América Latina, do Centro de Estudos Internacionais da Universidad Católica de Chile (Ceiuc). O documento aponta que a região vive uma crise tripla: de governabilidade, de expectativas e de certezas – todas agravadas pela pandemia.
A América Latina concentra um terço das mortes por covid no mundo. A pandemia, porém, foi uma "oportunidade para governos concentrarem mais poder e usarem indevidamente os estados de emergência", diz o relatório. "Novos autoritarismos surgiram em sociedades impacientes, desconfiadas e atingidas pela emergência sanitária."
Como exemplo de deterioração democrática, o índice cita problemas de governabilidade no Peru e no Equador, os ataques contra organismos eleitorais no Brasil, El Salvador e México, e escândalos de corrupção no Chile e na Colômbia. Além disso, o texto fala em "tendências populistas em El Salvador e no Brasil".
"Durante a pandemia, embora o número de democracias tenha se mantido, mais da metade dos países experimentaram erosão em suas características elementares, levando regimes híbridos a se tornarem autocráticos e ditaduras a se consolidarem", informa o texto.
<b>RETROCESSO.</b> "A maioria dos governos da região recorreu a estados de emergência para lidar com a pandemia", disse Daniel Zovatto, pesquisador do Ceiuc. "Enquanto alguns governos usaram essas medidas dentro dos limites da lei, outros abusaram delas."
"As principais consequências incluem uma maior concentração de poder no Executivo, restrição dos direitos humanos, ataques à independência do Judiciário, perseguição a jornalistas e uso crescente das Forças Armadas para tarefas que não são suas."
A erosão democrática ocorreu rapidamente. "Finalizamos a redação do relatório em agosto de 2021 e, nesse curto período de oito meses, ocorreram eventos em vários países da região que aprofundaram a deterioração", disse Zovatto, que cita os arroubos antidemocráticos do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, e a repressão aos protestos em Cuba. "Desde que finalizamos o documento, ocorreram novos acontecimentos que confirmam a tendência de erosão democrática, entre eles a farsa eleitoral na Nicarágua, orquestrada pela ditadura de Daniel Ortega."
O caso mais dramático, segundo o Ceiuc, é o de El Salvador. "Bukele atacou o estado de direito, destituiu juízes e expulsou jornalistas pertencentes a meios de comunicação que criticam o governo", aponta o estudo. Em seguida vem o Brasil, país que registrou mais categorias com deficiência democrática. "Desde 2016, o País passa por um retrocesso democrático", afirma o estudo. Guatemala, Bolívia e Colômbia também estão entre as maiores preocupações.
O índice do Ceiuc também aponta a falta de confiança das populações nas instituições democráticas. Uma pesquisa realizada em outubro de 2021 pelo Latinobarómetro mostrou que, em 2020, 51% das pessoas não se importavam se seu governo era democrático, desde que resolvesse seus problemas.
<b>RISCOS.</b> O Ceiuc aponta mais nove riscos a serem enfrentados este ano na região: mudanças climáticas e a escassez de água, protestos sociais e violência, crise migratória, crime organizado, polarização política, investimento estrangeiro em queda, irrelevância regional, crimes cibernéticos e a ascensão da China.
Segundo analistas, a falta de resposta dos governos tem frustrado os mais jovens, provocando reações. Muitos desses protestos, porém, foram marcados por repressão violenta por parte dos Estados, aumentando a instabilidade política regional.
A polarização também preocupa, em razão do ciclo eleitoral que a região vive. De acordo com o relatório do Ceiuc, o risco é de intensificação das campanhas de desinformação que corroem os fundamentos democráticos.
Por fim, o documento analisa o impacto da projeção da China na América Latina. Diferentemente de outros parceiros como americanos e europeus, os chineses não impõem condições democráticas e de direitos humanos para seus investimentos. Portanto, a deterioração favorece a influência de Pequim e torna ainda mais difícil reviver as democracias.
"A diplomacia de vacinas e das máscaras, em meio a uma pandemia, trabalha a favor da China", diz o estudo. "Os EUA poderiam buscar uma agenda proativa e positiva para conter a influência da China, mas nada garante que isso dará certo."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>