A CPI do Futebol investiga a participação do ex-secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, na suspeita de um desvio milionário nas contas do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014. Conforme o jornal O Estado de S.Paulo revelou com exclusividade na semana passada, a CPI apura informações de que o COL transferiu dinheiro para um paraíso fiscal e fez pagamentos milionários nos Estados Unidos em contas não identificadas no banco Itaú. Os dados ainda apontavam disparidade entre as contas declaradas pelo COL e os valores obtidos depois da quebra de sigilo bancário.
A suspeita era de que pessoas ligadas à Fifa também estejam envolvidas, já que o desvio de milhões de dólares dificilmente poderia ocorrer sem o conhecimento de cartolas em Zurique. Em novos documentos obtidos pela CPI, contratos assinados por Valcke estão sendo examinados, já que legitimariam transferências de recursos e pagamentos. O que a CPI quer saber é se houve acordo entre dirigentes brasileiros e da Fifa para mascarar eventuais desvios.
O que também chama a atenção dos investigadores é o fato de que, do valor de R$ 1 bilhão repassado pela Fifa para o COL, quase 60% foi para pagamento de salários dos dirigentes brasileiros, do CEO do COL e dos diretores, entre eles Joana Havelange, neta de João Havelange e filha de Ricardo Teixeira.
Na Suíça, Valcke já é investigado por corrupção pelo Ministério Público, depois que o jornal O Estado de S.Paulo revelou como o francês participou de um esquema de enriquecimento ilícito com a venda de ingressos para a Copa de 2014. A revelação custou seu cargo na Fifa. Após o evento, seu filho, Sebastien Valcke, ainda foi colocado como diretor de marketing da CBF.
Nesta quinta-feira, a CPI recebeu a visita de diretores do Itaú que justificaram os depósitos como sendo de pagamentos de empréstimos feitos pela Fifa. Até agora, porém, a entidade não deu uma resposta se mantinha ou não uma conta nos Estados Unidos para receber o dinheiro dos brasileiros.
O COL foi criado com a função de organizar o Mundial e teve como seu presidente Ricardo Teixeira e José Maria Marin. Em uma última fase, a partir de abril de 2015, ela foi liderada por Marco Polo Del Nero.
O que chama a atenção da CPI é que a diferença na contabilidade é exatamente o valor depositado em contas nos Estados Unidos. Os repasses do COL para contas no exterior equivalem à quantia que foi emprestada pela Fifa e não divulgada no balanço patrimonial que o comitê brasileiro apresentou à CPI.
Ao jornal O Estado de S.Paulo, a assessoria de imprensa da entidade máxima do futebol explicou que o “COL foi financiado por empréstimos feitos pela Fifa” e que “todos foram quitados pelo COL em linha com as estruturas contratuais estabelecidas”. Segundo ela, “as transações financeiras foram feitas sob um sistema de governança estabelecido que exige que pagamentos sejam feitos para contratos de fornecedores com base em acordos adequadamente executados”.
TRANSFERÊNCIAS – Entre 2012 e 2015, a Fifa transferiu ao COL um total de R$ 1 bilhão para gastos com a Copa do Mundo. Ainda segundo o material preparado pela CPI a partir de dados do Banco Central, o COL recebeu entre 2009 e 2012 cerca de US$ 66,7 milhões da Fifa à título de empréstimo. Ou seja, valor que deveria ser devolvido.
O Comitê começou a devolver o empréstimo em 2013, mas US$ 23,7 milhões foram destinados pelo COL, em quatro depósitos, para uma conta do Itaú nos Estados Unidos no dia 6 de fevereiro de 2013 e não na Suíça como todos os demais. No registro do Banco Central, os depósitos apenas aparecem como “empréstimos direto”. O principal objetivo da investigação é saber quem é o beneficiário desta conta nos EUA.
As disparidades também foram encontradas em outros itens. O Balanço Patrimonial do COL oferecido pelo órgão no âmbito da CPI do Futebol demonstra que a Fifa repassou R$ 55 milhões para o comitê em 2012. Já a quebra de sigilo bancário do COL demonstra que, em 2012, foram três transações para o comitê, totalizando R$ 105 milhões. Há, portanto, uma diferença de R$ 50 milhões entre o que aponta o Balanço Patrimonial oferecido pelo COL e o que demonstra a quebra de sigilo informada pelo Banco Central.
O que impressiona os membros da CPI é que o mesmo documento do Banco Central informa que estes R$ 50 milhões equivaleriam a US$ 24 milhões, em vez do valor real naquele momento, cerca de R$ 104 milhões. O valor, segundo a CPI, é muito próximo dos US$ 23,750 milhões que faltaram em pagamento à Fifa e que foram transferidos para conta nos Estados Unidos. (colaborou Jamil Chade, de Genebra)