O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu prorrogar o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid por noventa dias, impondo mais uma derrota ao governo de Jair Bolsonaro. A estratégia traçada por adversários de Bolsonaro para aumentar ainda mais o seu desgaste não se resume, porém, apenas às investigações sobre ações e omissões no combate à pandemia. Assim que os senadores encerrarem os trabalhos desta comissão, a CPMI das Fake News será retomada.
A ideia é deixar o presidente "sangrando" até a campanha eleitoral de 2022. Ao mesmo tempo, a oposição também quer levar os militares para o centro das apurações de fraudes e cobrança de propina no Ministério da Saúde, que não se limitam à compra de vacinas contra o coronavírus. O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), pretende convocar o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, sob o argumento de que ele faz "ameaças diuturnas" de golpe no País.
Na outra ponta, a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara aprovou ontem convite para Braga Netto explicar a nota divulgada na semana passada com críticas ao presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). O documento foi interpretado como uma "tentativa de intimidação" por Aziz, que havia criticado o "lado podre" das Forças, nas suas palavras envolvido em "falcatruas do governo" para a aquisição de vacinas.
A nota assinada por Braga Netto e pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica incomodou os parlamentares especialmente no trecho em que sugere atuação leviana da CPI. "As Forças Armadas não aceitarão ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro", dizia o comunicado.
"É muito importante que o ministro venha justificar com qual intenção ele escreveu uma nota dessas porque, sinceramente, isso abala inclusive a questão da democracia no País. Dizer que Forças Armadas não podem ser investigadas? Estão acima da lei? O que é isso?", criticou o deputado Elias Vaz (PSB-GO), autor do requerimento de convocação, depois transformado em convite, de Braga Netto à Comissão de Fiscalização e Controle. "O Parlamento não pode aceitar que meia dúzia de milicos tomem como refém uma CPI porque tem militar envolvido. Tem militar corrupto, sim. E militar corrupto precisa ir para a cadeia", disse o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
Senadores querem coletar informações do período em que Braga Netto chefiou a Casa Civil. A CPI descobriu que, pouco antes de ser demitido, o então diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, fez um dossiê que citava a Casa Civil nas irregularidade para a compra de vacinas. A suspeita é que as ordens ao Ministério da Saúde teriam começado antes mesmo da pandemia, na época em que Onyx Lorenzoni, hoje ministro da Secretaria Geral da Presidência, chefiava a pasta, atualmente comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos.
Dias foi indicado para o cargo pelo ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), assessor de Onyx, com aval de Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde e hoje líder do governo na Câmara. Barros é, atualmente, um dos principais alvos da CPI.
Ao fechar o cerco sobre os militares, a CPI avalia que atingirá Bolsonaro. Os senadores também têm compartilhado frequentemente informações com integrantes da CPMI das Fake News, que está paralisada desde que começou a pandemia, em março do ano passado. Composta por senadores e deputados, esta comissão mista investiga uma rede de notícias falsas em torno de Bolsonaro e já identificou que páginas responsáveis por disseminar ataques virtuais contra parlamentares e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) têm ligação com aliados e até com filhos de Bolsonaro.
A página bolso_feios, por exemplo, apontada como uma das que disseminam ódio contra adversários de Bolsonaro, teve registros de acesso a partir de telefone usado por um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho "03" do presidente.
Se a CPI da Covid foi atrás do "gabinete paralelo" – núcleo de assessoramento informal de Bolsonaro, que apostava em "imunidade de rebanho" e dava prioridade à compra de medicamentos com ineficácia comprovada, em vez da vacinação -, a CPMI das Fake News esquadrinha o "gabinete do ódio" no Planalto. Trata-se do grupo composto por assessores especiais de Bolsonaro, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho "02", que se dedica à disseminação de fake news nas redes sociais contra rivais do presidente.
Em conversas reservadas, parlamentares das duas CPIs trocam "figurinhas" sobre os prazos. O plano prevê que a CPMI das Fake News retorne em outubro ou novembro e vá até abril ou maio de 2022.
Pressionado por investigações e com a popularidade em queda, Bolsonaro está convencido de que há uma conspiração contra ele. Em conversas reservadas, o presidente avalia que Rodrigo Pacheco "mudou de lado" e agora também atua para que ele não seja reeleito. Pacheco foi eleito para comandar o Senado com apoio do Palácio do Planalto. Um grupo atua para que troque o DEM pelo PSD e seja candidato à sucessão de Bolsonaro.
Em mais um capítulo da crise, Omar Aziz insinuou ontem que a Polícia Federal estava ouvindo os nomes citados pela CPI da Covid antes mesmo da comissão. Irônico, Aziz disse que era uma coincidência representantes da Precisa Medicamentos, por exemplo, serem chamados pela PF antes dos depoimentos. A corporação divulgou nota defendendo sua atuação no inquérito sobre o processo de compra da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde.
No texto, a PF afirmou que a oitiva das pessoas chamadas a contribuir para a "elucidação dos fatos" não está atrelada a outras investigações em andamento sobre o caso. Observou, ainda, que o trabalho da corporação se dá "sem perseguições ou proteções de qualquer natureza". As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>