O setor de companhias aéreas poderá ter acesso, ainda neste ano, a uma linha de crédito específica via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo é reverter a crise que tem se intensificado no setor desde 2020. No entanto, para que haja chance de efeito, não só os juros deverão ser mais baixos, como os prazos para pagamentos precisarão ser estendidos, avaliam analistas. Ainda assim, outros fatores deverão ser observados para que as novas dívidas sejam equacionadas e o fôlego para as operações se torne duradouro.
A nova fonte de empréstimos é uma das três medidas que estão sendo discutidas pelo governo federal, conforme já anunciado pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Para que seja viabilizada, a linha de crédito via BNDES precisa de um fundo garantidor. Uma das possibilidades é de que isso seja feito com recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), já em discussão no Congresso por meio do projeto de lei 3.221/2023. Outro caminho citado recentemente por Costa Filho é a criação de um novo fundo, sendo específico para as companhias e sem ligação com o Fnac.
Ainda não se tem detalhes sobre as condições da futura linha de crédito – volume de recursos, juros e prazo para pagamento. Contudo, pelas próprias características do BNDES, a expectativa é de taxas menores que a praxe de mercado e com facilitação de pagamento. "As empresas terão uma injeção de capital relevante para que possam manter e até ampliar a sua operação, buscando recuperar o potencial de ganho de receitas de maneira sustentável", diz o advogado Marcelo John Cota de A. Filho, do escritório Schiefler Advocacia.
As companhias que operam no mercado doméstico brasileiro têm reportado prejuízos bilionários nos últimos anos. Os representantes dizem que a situação foi agravada durante a pandemia de covid-19, com baixa nas operações, aumento do querosene de aviação (QAV) e até dificuldades na aquisição de novas aeronaves por problemas nas cadeias de suprimentos. Com exceção da demanda por voos, que tem aumentado paulatinamente, os outros dois problemas seguem assombrando o setor.
"As aéreas necessitam de grandes volumes de capital para manter suas operações e aumentar a capacidade de oferta. Diante de circunstâncias críticas com volume de receitas baixo, contrair dívidas ao obter créditos para financiar essas operações pode ser uma medida necessária. Inclusive, essa contratação pode ser mais favorável que eventual emissão de debêntures ou de ações com a diluição de capital", observa o advogado Eduardo Teixeira Farah, que atua na área de direito aeronáutico pelo NHM Advogados.
<b>Resultados</b>
Os analistas consultados chamam a atenção para a necessidade de que a linha de crédito seja acompanhada por outras medidas, o que inclui não só ações de Estado, mas também de ajustes nas estratégias das próprias companhias. "Embora forneça fôlego, não é uma garantia de recuperação. Isso dependerá também das estratégias de negócios adotadas por cada companhia aérea com os recursos captados através do crédito", afirma o advogado Marcelo John Cota de A. Filho.
Já na parte de medidas adicionais que demandam ação do Estado, os analistas citam itens como a melhoria dos serviços aeroportuários, das rotas atuais, a ampliação da concorrência e a redução do preço do querosene de aviação. O governo promete que no pacote de medidas a ser anunciado estará contemplado o preço do querosene e ação para reduzir o número de processos judiciais de passageiros contra companhias, outra reclamação do setor.
<b>Dúvidas sobre fonte garantidora</b>
O advogado Rodrigo Figueiredo, sócio do escritório RVF Advogados, diz que é necessário lembrar que, em que pese o apoio do governo, o fundo garantidor para a nova linha de crédito pode demorar a se concretizar. "Na legislação atual, os recursos do Fnac não poderiam ser destinados a instrumentalizar garantias em empréstimos às companhias aéreas – e seria um risco jurídico significativo desviá-los para esse fim sem a devida autorização legal", explica.
Em entrevista publicada na sexta-feira, 26, o autor do PL 3.221/2023, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), afirmou ao <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) que ainda falta o governo se organizar internamente sobre o projeto e iniciar o trabalho político para a aprovação. Contudo, um dia antes, Costa Filho falou pela primeira vez sobre a possibilidade de, em vez do Fnac, criar um fundo específico para as companhias.
Segundo o ministro, a proposta de criação do novo fundo está sendo estudada pelo governo e deve ser apresentada em dez dias. A ideia, conforme Costa Filho, é de que esse fundo conte com recursos de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões, mantendo a função de servir como garantidor para a linha de crédito via BNDES.
"Ainda não está claro se o governo empregará esforços políticos para aprovação urgente da matéria no Congresso ou se, à míngua de aprovação dessa matéria pelo Legislativo, o próprio Executivo desde logo buscará regular o assunto, por meio de medida provisória, uma vez declarando a relevância e urgência do tema", avalia Figueiredo. Nesse cenário, o advogado lembra que o tema tem potencial para criar rusgas entre o governo e os parlamentares.
O próprio autor do projeto de lei que flexibiliza o uso do Fnac disse que existe resistência entre deputados federais e senadores sobre as aéreas. "Tem um grupo que fica batendo no setor porque em dezembro e janeiro já costuma ter aumento de tarifas. Mas também falta o governo ter uma iniciativa, agir de forma integrada dentro do Palácio do Planalto, na Casa Civil", afirmou Carreras.