A crise dos fertilizantes deflagrada pela guerra entre Rússia e Ucrânia gerou uma corrida pela extração de potássio no Brasil – processo que tem preocupado municípios em diversas regiões, por causa do impacto ambiental das atividades. Os pedidos para pesquisa e exploração do mineral bateram recorde no primeiro semestre de 2022, superando o que se viu nesse setor na última década.
O <b>Estadão</b> fez um levantamento dessas solicitações registradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). De janeiro a junho, o órgão responsável pela concessão de pesquisas e lavras minerais recebeu 50 pedidos relacionados à extração de potássio, a maior parte deles concentrada no Amazonas, ao longo da calha do Rio Madeira. Há pedidos também em outros Estados, como Goiás, Bahia, Sergipe, Piauí e Minas Gerais.
O número supera com folga os registrados na última década. No ano passado, quando o governo já se preocupava com a oferta de fertilizantes, apenas nove solicitações chegaram à ANM. Desde 2013, a média de requisições enviadas à agência foi de 14 registros por ano. O que se vê apenas no primeiro semestre, portanto, equivale ao triplo do volume médio anual dos últimos dez anos.
<b>Nacionalização</b>
A disparada do número de pedidos ocorre no momento em que o Ministério da Agricultura busca alternativas para garantir o abastecimento de fertilizantes.
O Brasil adquire no exterior 85% do volume de produtos aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras, responsável por 23,3% do fertilizante que chegou ao Brasil em 2021.
Em março, um decreto instituiu o Plano Nacional de Fertilizantes, que inclui ações para reduzir a participação da importação de fertilizantes para cerca de 50%, até 2050. Essa redução inclui, além da exploração nacional de potássio, o uso de adubos orgânicos enriquecidos com minerais, entre outros.
Não será do dia para a noite que a exploração nacional de potássio ajudará a reduzir a dependência externa. Além de exigir investimentos bilionários, o início da produção é complexo e leva anos para se consolidar.
O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luís Azevedo, que já atuou com projetos de potássio, afirma que a as jazidas encontradas na Amazônia, onde estão as rochas com maior concentração do minério, estão localizadas em profundidades de 800 metros. "Um furo de sondagem levaria de dois a três meses para ser feito, e tudo isso só para ver se a área tem sinais de viabilidade. São projetos com custo inicial acima de US$ 1 bilhão", afirma.
Já em áreas em Goiás e Minas Gerais, ele diz, o potássio é encontrado em rochas na superfície, mas com teor do minério inferior. "É uma opção mais barata e rápida. Talvez seja o caminho mais recomendável neste momento", diz Azevedo.
<b>Projetos de mineração preocupam cidades que dependem do turismo</b>
A instalação de grandes projetos minerários tem preocupado a população local em diversos municípios. Neste ano, a cidade mineira de Andradas, município de 40 mil habitantes, recebeu dois pedidos para exploração de potássio. Nessa região de Minas Gerais, as rochas com potássio estão na superfície, o que exige aberturas de cavas amplas. A população da cidade, que já é base de exploração de minérios como a bauxita, reagiu e foi para as ruas protestar contra a ampliação da mineração.
Na internet, foi criada uma petição online que soma 4,2 mil assinaturas contrárias às minerações no entorno de áreas de preservação ambiental e visitação turística, como a Serra do Caracol, Serra do Pau D Alho, Pico do Gavião e o Caminho da Fé, a mais conhecida trilha de peregrinação do País, já percorrida por 72 mil pessoas.
Camila Bassi Teixeira, gestora executiva do Caminho da Fé, diz que, apesar de projetos minerários não estarem dentro de áreas já protegidas por tombamento paisagístico, com a Serra do Caracol, não há clareza sobre os pontos específicos que as empresas querem explorar. "O risco é que o Caminho da Fé, por exemplo, perca parte de seu trajeto e tenha que deixar a cidade."
A prefeita de Andradas, Margot Pioli, divide as preocupações. "Assim como toda a população, estamos bastante preocupados com os impactos ambientais e socioeconômicos que tal prática pode trazer, prejudicando o desenvolvimento da atividade turística, que é um dos focos da nossa gestão, por conta da geração de emprego e renda", disse à reportagem. A gestão municipal informou que solicitou estudos para mensurar os prováveis impactos ao meio ambiente e que pretende realizar uma audiência pública.
Os pedidos de mineração de potássio na região de Andradas foram apresentados pela empresa Minas Rio Mineração. Questionada pela reportagem sobre seus projetos e impactos, a companhia não quis comentar o assunto.
A Alcoa, que atua há 57 anos na região, não possui projetos para extração de potássio, mas requereu novas áreas para ampliar a produção de bauxita em Andradas. A empresa declarou, por meio de nota, que "não possui nenhum projeto atual ou futuro de mineração nas áreas da Serra do Caracol e do Pau D Alho" e que os territórios de seu interesse "estão a mais de 1,5 quilômetro de distância da área de tombamento" paisagístico da serra.
<b>Estoque em dia</b>
Não é possível prever, neste momento, quando a exploração nacional de potássio deverá ter resultado efetivo, uma vez que isso depende do processo de licenciamento ambiental e do investimento de cada empresa.
Enquanto os projetos de exploração não saem do papel, o receio com a falta do insumo usado na agricultura levou o Brasil a importar mais fertilizantes do que no ano passado. Entre janeiro e maio de 2022, o produtor nacional importou 15,2 milhões de toneladas, 16% a mais do que no mesmo período de 2021. "Os produtores nacionais, num movimento de antecipação de compras, fizeram fortes aquisições", afirmou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Os dados do Ministério da Economia apontam que as importações brasileiras atingiram 4,06 milhões de toneladas em maio, 25% acima do volume do mês anterior e 57% superior ao do mesmo mês em 2021.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>