Mundo das Palavras

Cretinice no jornalismo

A pesquisadora Heloisa Ramos, autora do livro didático “Para uma vida melhor”, adotado pelo Ministério da Educação, está sendo submetida a um linchamento, nas páginas dos jornais, porque teve a ousadia de levar para as salas de aula do Brasil uma obviedade. A obviedade de que as palavras são signos de um código de comunicação. E que, portanto, o uso delas não pode ser guiado por um critério que estabeleça noções de certo e errado a partir da imposição de regras de um único padrão de linguagem. Pois, as questões pertinentes na área da comunicação verbal são as de eficiência e fracasso na transmissão de uma mensagem. Eficiência e fracasso decorrentes do conhecimento ou do desconhecimento – e, portanto, do domínio ou da falta de domínio – do vocabulário e das estruturas de frases usados por quem recebe nossas mensagens.


As pessoas com as quais precisamos nos comunicar durante um único dia pertencem a variados contextos sócio-culturais. Por isto, somos desafiados a obter o entendimento de nossas mensagens por parte de receptores marcados por muitas diferenças: de idade, profissão, origem geográfica etc. Ora precisamos comprar a verdura do feirante, oriundo de uma comunidade no interior do estado, ora temos de explicar a um profissional formado numa Faculdade de Medicina, nossa dor de cabeça.


Quando a professora escreveu em seu livro que o falante de Português deve aprender a usar as variantes da língua adequadas às diversas situações da fala, ela apenas admitiu algo imposto pela vida social. Por força do convívio em sociedade temos necessidade também de conhecermos a variante da chamada língua culta, aquela regida pela Gramática Normativa. Mas, como as outras variantes, ela é igualmente adequada para uso em algumas situações sociais, e, e inadequada para uso em outras.


Quem desqualifica a professora por ter introduzido no seu livro o conceito de variante lingüística busca uma aberração na vida social: a imposição de uma única forma de uso da Língua Portuguesa, aquela adotada pelo restrito número de pessoas que se comunicam por meio da linguagem culta. Algo inalcançável porque a forma como cada pessoa usa espontaneamente a linguagem verbal expressa as peculiaridades da cultura de seu grupo social. Para que admitíssemos como correto – e portanto aceitável – apenas o uso da Língua Portuguesa tal como estabelecem as regras da Gramática Normativa precisaríamos ignorar a competência, a expressividade e a criatividade da comunicação verbal nas inúmeras áreas do mosaico cultural luso-afro-brasileiro. Entre as quais, no Brasil, as correspondentes às dos grupos sociais dos imigrantes estrangeiros, dos ribeirinhos da Amazônia, do interiorano de Minas e de São Paulo, dos jovens usuários da internet, dos dançarinos de funk etc.


É inacreditável que os ataques à professora partam de jornalistas, exatamente aqueles profissionais que precisam dominar diversas variantes lingüísticas, pois ao longo de suas carreiras escrevem para publicações dirigidas a grupos sociais específicos (feminino, infantil, gay etc), e, para áreas especializadas (em esporte, política, economia, polícia etc). Parece que há uma nova espécie de cretinice afetando o Jornalismo brasileiro.      


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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