Por uma estrada, de carro, o alagoano Delson Uchôa avistou uma família que caminhava sob o sol – e chamou sua atenção as sombrinhas de poliéster “made in China” que aquelas mulheres usavam para se proteger. “Parecia um buquê andando”, conta o artista, que, desde então, há três anos, tomou o objeto popular como pigmento “perverso”, numa definição recente do curador Paulo Herkenhoff, para as criações do “pintor do século 21”.
Na Zipper Galeria, diante das obras da exposição que acaba de inaugurar em São Paulo, Delson Uchôa diz que “pintar é fácil” – e dele a frase soa extremamente natural. As sombrinhas chinesas, por exemplo, não foram apenas incorporadas às quentes temperaturas de seus grandes e coloridos trabalhos pictóricos, feitos sobre lona, como também levadas pelo artista para paisagens do alto sertão de Alagoas para se tornarem elemento de cor inserido na natureza – registrado em belas fotografias. “Na caatinga, o sublime é espanto perplexo”, também já disse Herkenhoff (que vai assinar texto de livro sobre o alagoano a ser lançado pela Editora Cobogó) sobre as imagens da série Bicho-da-Seda. Quem poderia imaginar que as sombrinhas da China originariam, ainda, as peças escultóricas Satélite Novelo e Zigoto Chinês?
“É minha última conquista para falar da expansão da pintura”, diz o pintor sobre as reverberações do uso do produto industrial chinês em suas criações – diga-se, sempre coberto por composições que ele prepara em tinta acrílica. “O grande apelo é o luminoso e o colorístico”, afirma, ainda, o artista sobre seu trabalho, de uma forma geral. O visitante é convidado, explica, a tocar suas quentes telas pois a cor é, inevitavelmente, sedutora.
“Obras de Delson Uchôa frequentemente têm várias camadas, peles sobrepostas, que podem ser levantadas e adentradas. Você se coloca entre duas peles coloridas, passa a ser uma das camadas da pintura”, descreve a curadora Paula Braga no catálogo Belo em Si, publicado por ocasião da atual mostra do alagoano na galeria paulistana.
Imersão
Para se ter uma ideia, esse caráter imersivo expande-se até mesmo para o local de trabalho do pintor, em Maceió – uma “casa-pintura”, descreve Paula Braga. “Há pinturas no chão, há pinturas penduradas por fios, que balançam soltas no espaço e pinturas descansando em mesas enormes que ficam ao ar livre, para que o sol ajude a tinta a secar num tom mais esmaecido e para que a chuva desenhe pequenas poças de cor”, afirma a historiadora de arte. O piso de lajotas de barro do ateliê também recebe, por vezes, uma superfície de resina transparente que se transforma em base pictórica a ser descascada para futuras criações. “Com essa técnica, faço meu banco de pele”, brinca o artista, que, formado em Medicina, em 1981, considera suas telas como membranas.
Na verdade, o trabalho de Uchôa guarda, entre belezas e imersões, variados discursos. Incorporam-se ao torpor estético da “superfície colorida” de suas peças considerações geopolíticas, afirma.
Se, como conta o pintor, as sombrinhas chinesas que utiliza já foram encontradas na feira de Caruaru, em Pernambuco, por R$ 3,70, imagina-se que sejam, afinal, produzidas por operários-escravos. “Elas falam de globalização”, considera o alagoano, definindo o elemento “perverso” de suas obras como “pigmento político”. “O artista contemporâneo tem de falar de problemas sérios.”
Outro dado importante de sua obra é a “autofagia cultural”, define Paula Braga, promovida pelo pintor. Além de usar, como agora, um elemento industrial em suas produções, ele também traz para suas criações o diálogo entre o “mameluco e o neoplasticismo”, diz o alagoano – entre a cultura e geometria popular com a história da arte. A autofagia, completa, ocorre também em seu ato de retomar trabalhos antigos. “Na década de 80, não vendia muito e guardei muitas obras comigo”, conta Delson, que participou da exposição da Geração 80 no Parque Lage. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.