A tradutora Daniela Mountian perdeu as contas das vezes que pensou em fechar a editora fundada com seu pai, Moissei, e especializada em literatura russa. Ela passava as madrugadas editando os textos que seriam publicados pela Kalinka e os dias resolvendo burocracias. “Entre escolher o título, preparar, diagramar e editar os textos, eu tinha que ir ao correio quase que diariamente, fazer notas, ligar para distribuidoras, livrarias, cuidar do estoque, etc. Eu lidava pessoalmente com toda a cadeia de produção de um livro. Era desgastante e eu, sinceramente, já não via saídas”, conta.
Mas o ânimo voltou, e se a discreta editora festeja seus 10 anos neste fim de semana em grande estilo, com uma série de eventos na Unibes Cultura, isso tem a ver também com a chegada do editor Jorge Sallum ao negócio. “Não se trata apenas de marcar a década que passou, mas de pensar na que está por vir. A Kalinka ganhou uma chance de florescer”, diz a editora.
Fundador da Hedra, 18 anos, conhecida por seus clássicos de bolso, Sallum acaba de ficar sócio não só da Kalinka, mas da Demônio Negro, da Circuito e da Azougue. Todas editoras independentes com projetos editoriais muito diferentes entre si e as mesmas dificuldades de distribuição, exposição, marketing e venda.
Com essa sociedade, os editores se voltam ao texto e aos contatos. “Dali para frente a gente fecha arquivo, discute a capa, discute o planejamento, faz release, faz a produção gráfica, a gestão do estoque, o administrativo, o comercial, o site, o atendimento, o marketing”, conta o editor que já havia tentado fazer algo semelhante, anos atrás, com a Brasiliense. Antes disso, tentou uma parceria com a Estação Liberdade e, antes ainda, uma associação com um grupo de editores que incluía a Iluminuras e Casa da Palavra. Sem contar o investimento na criação da Veneta. “Mas sempre a vontade de fazer antes da hora ou a falta de clareza dos papéis de cada editor dificultou a coisa”, avalia.
Mas Jorge não é um mecenas ou um salvador da pátria. Ele também passou por poucas e boas nos últimos anos, como todos os editores brasileiros que vendiam para o governo, que parou de comprar em 2014, e que assistiram à hiperconcentração do varejo de livros nas grandes redes, que atrasaram pagamentos e depois suspenderam os acertos na tentativa de minimizar os danos. Em recessão e vivendo sua pior crise desde o Real, o mercado editorial encolheu 21% nos últimos seis anos.
“A Hedra tinha um tripé: escola, venda governamental e livraria. Sempre sobrevivi com isso. Em 2014, a gente pirou. Ainda estou me recuperando, mas me considero um sobrevivente. A necessidade de repensar tudo vem da necessidade de sobreviver”, diz.
Jorge chega mais maduro ao que chama, informalmente, de EdLab. A ideia dessas sociedades surgiu de uma inquietação dele com o que as livrarias se tornaram e de uma vontade de repensar o mercado. “O desafio não é crescer no mercado que só decresce, mas achar o rumo para onde o livro vai”, diz.
Ele conta que tem pensado cada vez mais numa “situação laboratorial”, e o grupo tem discutido bastante. Não há muitas respostas por ora. “Estamos nos juntando para ver se as perguntas fazem sentido”, diz. “Por exemplo: digital faz sentido? No momento, faz. Mas faz sentido investir rios de dinheiro para pegar o fundo de catálogo? Não faz, não fecha a conta. Faz sentido lançar um, dois livros por mês de cada editora? Eu não sei. Estamos realmente como gato pisando na água. Mas faz sentido a venda direta? Faz. Portanto, faz sentido um marketing bem feito na internet”, comenta.
Enquanto testa essas respostas e tenta responder a outras questões, o editor experimenta outro novo caminho. No sábado passado, 26, foi inaugurada uma livraria e biblioteca com espaço para cursos e café no térreo da Hedra, na rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena. O espaço é fruto de uma sociedade de Jorge Sallum com Bia Bittencourt, idealizadora da Feira Plana, que reúne, desde 2013, editoras independentes, e com Luis Aranguri.
“No terceiro ano do festival percebi que o evento anual não era suficiente, que o público precisava de formação, que as pequenas editoras precisavam de motivação, que muito precisava ser discutido entre um festival e outro”, conta Bia. Um financiamento coletivo viabilizou a primeira Casa Plana, no Anhangabaú. Depois, ela se mudou para outro endereço e estava fechada desde o fim do ano por questões financeiras.
Com 300 m², a nova Plana já conta com cerca de mil títulos nacionais e importados, entre publicações e livros, de editoras independentes e de editoras não independentes (que tenham a ver com o projeto). “Tem também disco e fita cassete, pois muitos artistas que publicam fanzines também publicam esses objetos sonoros, objetos híbridos que não sabemos nem como classificar. E ainda uma sessão com revistas importadas de arte, design e arquitetura”, conta Bia, que está na Europa buscando novos editores parceiros. E, claro, títulos da Hedra, Kalinka, Circuito, Azougue e Demônio Negro que se encaixam no conceito.
Criador, em 2006, da Demônio Negro, após estudar tipografia na Alemanha, Vanderley Mendonça diz que a parceria vai viabilizar a distribuição e a venda online de seus caprichados livros. Ele vai continuar a ser o que sempre foi: experimental. “Mas o que vejo como forma de obter mais leitores para minhas edições é com parcerias e um lugar onde possamos promover encontros, como essa nova livraria.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.