Mundo das Palavras

Criatividade no sanitário (I)


Há quase 27 anos surgiu na área da Comunicação Social um caso raro de pesquisa criativa. O carioca Gustavo Guimarães Barbosa, em vez de ampliar a quase sempre rala, desarticulada, e, inútil teoria elaborada naquela área, no Brasil durante as últimas quatro décadas, decidiu obter o seu título de mestre em Comunicação Social, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com um mergulho no que ele próprio chamou de “literatura proibida”. Na literatura produzida com instrumentos toscos e pontiagudos, como canetas esferográficas, canivetes, estiletes e compassos. Em lugares trancados à chave. E, estimulada pela produção simultânea de materiais, cuja exibição pública é inaceitável, e, por isto, rapidamente retirados da visão de outras pessoas por descargas de águas correntes.


 


Esta possibilidade de captar um discurso criado em condições tão originais tornou o tema de pesquisa escolhido por Barbosa interessante. Mas o tema era também relevante porque aquela literatura expressa um sentimento de liberdade, experimentado quando seus autores, por alguns momentos, são aliviados da pressão social imposta a eles pelos papéis que desempenham em suas famílias, suas escolas, e, seus trabalhos. Isto é, experimentado quando eles se despem de seus papéis sociais, algo que ocorre, quando, não por acaso, eles se despem também, literalmente, fisicamente. 


 


Em suma, com inteligência e talento, Barbosa escapou do enfadonho trololó acadêmico dos “comunicólogos” para se dedicar à leitura de mensagens inscritas em portas e paredes de sanitários públicos, lugares onde um indivíduo, constatou o pesquisador, ao se isolar, desfruta ainda de sensações como as de anonimato e segurança.


 


Barbosa esteve em 257 sanitários. Espalhados pelo Rio de Janeiro, e, por São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Campos e Angra dos Reis. Em sua pesquisa, ele colheu 1.008 mensagens escritas em estabelecimentos de ensino de todos os níveis, fábricas, escritórios, repartições públicas, bibliotecas, cinemas e centros comercias.


Com estes dados em mãos, Barbosa pôde concluir que em sanitários públicos eram produzidos diversos gêneros de mensagens. Mas, as paredes e portas deles serviam igualmente como espaço de criação de anúncios, trovas e piadas. E, ainda, como veículos de transmissão de recados, boatos, fofocas, rumores, denúncias e xingamentos. Dois exemplos. De piada, encontrada numa universidade do Rio de Janeiro: “A única carioca que não dá é a loteria esportiva”. De xingamento, em outra universidade carioca: “Salim Maluf é igual ao que se faz no vaso”.


 


De uma forma geral, verificou Barbosa, os homens aproveitavam as portas e paredes dos banheiros públicos principalmente para escrever nelas incitações panfletárias e slogans, enquanto as mulheres, em sua maioria, preferiam usá-las para redigir confissões e divagações, sobretudo, afetivo-amorosa.


 


Confidências havia em 48% dos sanitários femininos estudados por Barbosa. Ele as ordenou em três blocos. Afetivas, como: “Hoje estou triste, não consegui ver você”. Sexual, como: “Jorge gostoso”. E, existencial, como: “Por que a vida, se vivo tão só”. As três mensagens foram encontradas no Rio de Janeiro. As duas primeiras em estações rodoviárias. E, a última, num bar.       


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP


    


 

Posso ajudar?