Quarenta por cento das mensagens escritas pelas mulheres nas paredes e portas de sanitários, no Brasil, tem cunho sexual. Mas estas mensagens são, em geral, marcadas por um tom sentimental “temperado com doses variáveis de pornografia”. Raramente são muito picantes. Um exemplo encontrado numa universidade carioca: “Ana serpente, nem sente que me envenenou”.
Estas informações estão no livro “Grafitos de banheiro”, de Gustavo Barbosa, hoje considerado obra clássica neste assunto.
O pesquisador prossegue: “Salta aos olhos entre os signos mais freqüentes nos grafitos femininos, a preferência pelo desenho de sentimentais corações entalhados, com inscrições como ‘Rose e Mauro, amor impossível’, e, ‘Jorge, te amo’”.
Já nos sanitários usados pelos homens as referências ao órgão sexual masculino são constantes, e, “sempre conotativas de força, poder, prestígio e prazer” – informa Barbosa.
Ligadas a este orgulho, Barbosa descobriu nos textos dos sanitários masculinos três pérolas do machismo brasileiro. Primeira: os homens gostam de contar vantagens e de competir nos grafitos sobre as suas conquistas sexuais, “reais ou desejadas”. Segunda: a figura da mãe é consagrada, junto com a da cunhada. “Exibição de intimidades sexuais com elas demonstra força e prestígio”. Terceira: nas rodoviárias os homens se mostram inquietos. O adultério é um tema comum nas paredes de seus sanitários. Barbosa pergunta, com evidente malícia: “A distância da mulher deixa inseguros os maridos?”
Outra revelação feita pelo pesquisador: quem faz mais referências explícitas nos textos de sanitários às relações com o sexo oposto são as mulheres. Em contrapartida, a insistência com que os homens produzem frases de conteúdo homossexual em seus sanitários levou Barbosa à seguinte conclusão: “parece-nos provável que também os não-homossexuais ou os ‘incubados’ escrevam este tipo de grafito”.
De qualquer forma, mulheres e homens se sentem livres nos estreitos limites de um sanitário. Lá, todas as cores políticas são bem recebidas. “Viva a liberdade”, escreveu a jovem num sanitário de uma universidade carioca. As mulheres aproveitam esta liberdade para se exercitar em sua luta contra o machismo. “Tome consciência, mulher”, escreveu uma espectadora no sanitário de um cinema do Rio de Janeiro.
Mas há quem, desarticule discurso político panfletário, inserindo em suas frases elementos de pornografia, comicidade ou non sense. Exaltada com a liberdade conferida pelo isolamento num sanitário, outra freqüentadora de cinema carioca escreveu: “Abaixo: Israel, EUA, Imperialismo. Abaixo as calcinhas, também”.
Mereceu especial atenção um item da pesquisa realizada por Barbosa. Aquele referente às inscrições nos sanitários infantis e juvenis, das escolas. As meninas revelaram preferência absoluta por frases do tipo “Adoro Juninho”, ou, “Eu e Juninho”. Mas, neste campo sentimental-afetivo, há também frases escritas com ciúme e agressividade. Uma menina escreveu sobre sua professora numa escola carioca: “Dona Norma, piranha e galinha”.
Por sua vez, os meninos fazem largo uso de palavrões. E, buscam identidade própria através de assinaturas originais como “Boor”, e “Sloop”, ou, identidade social, por meio nomes-senhas que o relacionem a um grupo, a uma “gang”.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP