Estadão

Crise entre Poderes mantém risco elevado, afetando preços na veia

Após a inflação atingir 0,96% em julho – o maior resultado para o mês desde 2002 -, a consultoria Tendências reviu sua estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2021 de 6,1% para 7,0%. Há, porém, riscos importantes no radar que podem pressionar os preços ainda mais até o fim do ano. Segundo Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, a crise política também pode elevar a inflação nos próximos meses. Ao lado do risco fiscal, a instabilidade pode fazer com que investidores, preocupados com o futuro da economia, deixem o País.

<b>O mercado já esperava uma inflação alta em julho, elevando o acumulado em 12 meses. Mas que impacto um IPCA nesse patamar pode ter na economia?</b>

A inflação veio um pouco acima do que nós (a Tendências) prevíamos. Nosso número era 0,88%. Estávamos vendo essas pressões, principalmente em energia elétrica e combustíveis, mas mesmo alimentação no domicílio surpreendeu um pouco. As pressões estão mais fortes do que a gente imaginava. Tanto que estamos revisando nossa projeção de IPCA para 2021. Tínhamos 6,1% e estamos revisando para 7,0%, que é bem acima do que esperávamos há alguns meses. O problema é que essa inflação corrói o poder de compra das famílias. A inflação afeta todo mundo e mais ainda as classes de baixa renda, em que o peso desses itens como alimentação no domicílio tem um peso mais relevante. Uma inflação na casa de 7,0% é negativa para a economia brasileira. Não é à toa que o Banco Central tem reagido aumentando a Selic e subindo o tom.

<b>Quais fatores pensam mais no IPCA?</b>

São três causas. A primeira é um ambiente ainda desafiador por causa da pandemia. Desde o ano passado, ela afetou a produção de vários itens, inclusive industriais. Além disso, com os fortes estímulos fiscais e monetários que foram dados a várias economias, a demanda reagiu muito mais rápido do que a oferta. A pandemia afetou a oferta de muitos produtos. Vemos vários setores tentando normalizar a produção, mas, quando faltam insumos e bens, o preço vai para cima. Então ainda existe esse efeito em vários segmentos. Outra parte da inflação decorre da questão climática. Ela está afetando tanto a produção de alimentos como a de energia elétrica. A terceira explicação tem a ver com os riscos fiscais e o ambiente político. A gente vem desde o ano passado com essa percepção de risco fiscal bastante elevada. Não é só a pandemia justificando gastos excepcionais. Há pouco comprometimento (do governo) com as regras fiscais. Quando começam a tirar gastos da regra do teto dos gastos, essa percepção de risco fica muito elevada. Preocupa a ideia de reforçar programas sociais tendo em vista a reeleição em 2022 ou a de tirar precatório do teto. É uma combinação de preocupação fiscal com ambiente político. Quando você começa a olhar para 2022 e vê muita tensão entre Poderes, até dúvidas em relação ao processo eleitoral, isso mantém o risco elevado e o câmbio depreciado. Isso afeta os preços na veia.

<b>O governo está com novas medidas que aumentam os gastos públicos e a preocupação com a situação fiscal do País. Isso pode interferir mais na inflação?</b>

A gente (a Tendências) sempre foi cauteloso em relação ao ambiente político e à questão fiscal. Estamos olhando com cuidado o que vai sair no Orçamento para 2022 e esse imbróglio da questão dos precatórios. Mas, pensando na manutenção do teto dos gastos, o Bolsa Família, ou Auxílio Brasil, precisa ficar na casa dos R$ 300. Estamos trabalhando com esse cenário-base, em que a regra do teto é respeitada. Assim, temos ainda um câmbio de R$ 5,20 no fim do ano. Se mudar esse cenário – sai, por exemplo, um Bolsa Família de R$ 400, tiram precatórios do teto dos gastos e não pagam uma parcela relevante deles -, aí pode ter um câmbio mais elevado, afetando certamente a inflação.

<b>Mas há uma expectativa de que a inflação termine o ano em um patamar mais baixo, na casa dos 7,0%, apesar desses vários riscos. O que permitirá isso?</b>

Se você comparar a inflação mês a mês com o mesmo período do ano passado, os números de abril, maio e junho de 2020 foram muito baixos. Aí, nessa métrica de 12 meses, a base de comparação estava fraca, o que contribui para os atuais números altos. Quando você vai para setembro e outubro de 2020, já havia uma inflação mais alta, ao redor de 0,6% ou 0,9%. Esse efeito é superimportante e explica parte da desaceleração. Para os próximos meses, vemos a alimentação ainda para cima, muito por conta do preço dos alimentos. Por outro lado, a não ser que se tenham novos ajustes nas bandeiras, o preço da energia elétrica deve se moderar.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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