Crise? Fale com o presidente

Nada tem estado mais em discussão, nas últimas semanas, do que a capacidade de presidentes para administrar grandes crises. O cinema de ficção, especialmente o de Hollywood, gosta de transformar o presidente numa instituição maior do que a República. Bigger than life. Um bom exemplo é o Harrison Ford de Força Aérea Um, de Wolfgang Petersen, de 1997, assumindo o controle do avião presidencial e colocando a nocaute o vilão, o terrorista Gary Oldman, enquanto em terra sua vice, Glenn Close, também resiste ao canto da sereia de assessores que tentam convencê-la a aproveitar a crise para dar um golpe.

É outra ferramenta da ficção hollywoodiana. O presidente nobre e os assessores corruptos. Outro alemão que fez carreira em Hollywood, Roland Emmerich, fez de Bill Pullman o presidente dos EUA que liderou a resistência aos extraterrestres em Independence Day, de 1995, instituindo o 4 de Julho como a data de redenção da humanidade. Emmerich é aquele cara que tenta sempre mostrar que é mais norte-americano do que qualquer cidadão nascido nos Estados Unidos.

Em 2013, em O Ataque, fez de Channing Tatum o agente que se une ao presidente Jamie Foxx para neutralizar a ação de terroristas na Casa Branca. A ação foi armada por um assessor do presidente, mas não tem a menor chance de dar certo, com Tatum e Foxx unidos. No mesmo ano, em A Invasão da Casa Branca, o agente Gerard Butler também se arrisca pelo presidente Aaron Eckart. Morgan Freeman faz o presidente da Câmara dos Representantes e é o sábio da história.

E não é só porque Antoine Fuqua, o diretor, é afrodescendente e cavou seu espaço em Hollywood na parceria com o astro Denzel Washington. Morgan Freeman já havia sido tudo o que se espera de um grande presidente em Impacto Profundo, de Mimi Leder, 15 anos antes, quando um cometa entra em rota de colisão com a Terra e ameaça destruir toda a humanidade de uma vez só.

Centrado, focado, responsável. Um discurso de paz, não de ódio. Qual é a surpresa? Freeman foi o próprio Deus em O Todo-Poderoso, a comédia de 2003, com Jim Carrey. Só para fazer uma pausa, na vida, no documentário de Michael Moore, Fahrenheit 11 de Setembro, George W. Bush fica travado ao receber a notícia do ataque às torres gêmeas, durante visita a um jardim de infância da Flórida. Simplesmente atônito, não sabe o que fazer.

<b>Pioneiros</b>

Para entender a complexidade da questão, vale viajar no tempo. Em 1964, Stanley Kubrick fez o clássico da sátira política Doutor Fantástico. Numa época de mudança de comportamentos, em que espiões glamourosos (como o famoso James Bond, o agente secreto 007) redefiniam a Guerra Fria na tela, Kubrick colocou Peter Sellers em diversos papéis, inclusive no de presidente dos Estados Unidos. Um general maluco ordenou um ataque nuclear à URSS e o presidente Merkin Muffley, falando com forte sotaque, chama seu colega soviético pelo telefone vermelho para tentar um diálogo difícil, senão impossível. Muffley enfrenta o próprio staff militar – "Podem brigar à vontade, senhores. Estamos no Salão da Guerra".

No mesmo ano, em Limite de Segurança, de Sidney Lumet, a situação repete-se e o presidente Henry Fonda, que foi o Abraham Lincoln de John Ford no clássico de 1939, toma uma decisão inimaginável, diante de uma escolha de Sofia. Um presidente idealista, mais do que sensato, num filme (ir)realista que marcou época, mesmo à sombra de Kubrick.

<b>América do Sul</b>

Mais próximo dos brasileiros, Ricardo Darín (quem mais?) foi o homem comum catapultado à presidência da Argentina no filme A Cordilheira, de Santiago Mitre, lançado em 2017. Ele participa de uma cúpula nos Andes e enfrenta o representante do Brasil, que está ali para defender os interesses dos Estados Unidos (sim!). Como se não bastasse o problema, que já é grande, enfrenta uma inesperada crise familiar, por conta da filha. Em clima de suspense, o homem comum, que deveria desmoronar face a tamanha pressão, revela uma força insuspeitada. Afinal, é Darín. O grande ator cria um presidente como se espera que eles sejam. Em todos as situações, inclusive nos momentos mais difíceis.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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