Economia

Crise política põe em risco meta fiscal

Enquanto a ala política do governo tenta recorrer a um “pacote de bondades” para aplacar a crise que coloca em xeque a gestão de Michel Temer, a área econômica convive hoje com incertezas em torno da arrecadação de mais de R$ 90 bilhões em receitas extraordinárias que estavam previstas para este ano.

No próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, em julho, a frustração de parte delas já deve ser reconhecida. Para economistas, qualquer redução nos valores esperados pode comprometer o Orçamento e ampliar o risco de descumprimento da meta de resultado primário, que prevê déficit de R$ 139 bilhões.

A equipe econômica reconhece que a meta fiscal é “superapertada” e tenta rechaçar qualquer possibilidade de abrir espaço para benesses diante do quadro atual. Fora o risco às receitas atípicas, há ainda queda de arrecadação decorrente da atividade econômica fraca.
Só esse fator já diminuiu em R$ 41,22 bilhões a estimativa de receitas administradas para 2017, e o buraco pode crescer ainda mais diante do resultado ruim verificado em maio.

Uma fonte da equipe econômica pondera que mesmo que o governo pretendesse reverter a política fiscal, a meta estipulada não deixaria espaço. E postergar despesas configuraria novamente a adoção das “pedaladas fiscais”, um recurso ilegal, que corroborou processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A avaliação, no governo é que mesmo a ampliação da concessão de crédito por meio de bancos públicos é uma opção limitada no momento.

Economistas têm chamado a atenção para a dependência muito grande do governo em relação à arrecadação extraordinária. O grau de incerteza varia entre as iniciativas, que incluem concessões de projetos de infraestrutura à iniciativa privada, reoneração da folha de pagamento das empresas, parcelamentos de débitos tributários (o Refis), dividendos pagos por empresas estatais, repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior, entre outras. A crise política ampliou exponencialmente indefinição sobre a entrada desses recursos, que já era cercada de dúvidas.

Hoje, o desenho do Orçamento está cheio de “buracos” e, por uma questão legal, algumas baixas terão de ser reconhecidas no próximo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas. Uma forte candidata a ser retirada da relação é a venda da Caixa Seguridade que, como já reconheceu o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, está “suspensa”. A operação integra o leque de privatizações que inclui também BR Distribuidora e IRB Brasil Re e que renderia à União R$ 11,8 bilhões em tributos.

Só com as concessões, são esperados R$ 27,9 bilhões em pagamento de outorgas neste ano. Mas ainda não foram fechados os editais para os leilões de hidrelétricas, programados para setembro, e de áreas do pré-sal, que devem ocorrer em outubro.

O governo prometeu pelo menos 100 dias entre a publicação dos editais e a realização dos leilões. Caso haja atraso na confecção dos documentos, as disputas podem ficar para os últimos dois meses do ano, o que praticamente inviabiliza o pagamento a tempo de ajudar no primário de 2017.

Judicialização

Além disso, os investidores interessados demonstram insegurança com o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) não ter julgado ainda o mérito de todas as ações sobre os leilões de usinas hidrelétricas da Cemig, cujas concessões já venceram. O governo conseguiu derrubar as liminares que impediam o leilão, mas muitos interessados estariam receosos com a judicialização.

“Há um certo otimismo exagerado do governo. Temos tido uma entrada importante de recursos para a compra de ativos que estão baratos, mas não vemos a agenda de concessões acontecendo. A realização ainda não se observa no fiscal”, diz o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. A instituição calcula que, dos R$ 27,9 bilhões previstos pelo governo, entraram apenas R$ 2 bilhões, sobretudo de outorgas de leilões passados.

Fabio Klein, da Tendências, prevê grande frustração no programa de concessões, com arrecadação de apenas R$ 10 bilhões. “A crise política afetou o programa de concessões de duas maneiras: fez boa parte dos envolvidos ter de se preocupar mais com uma agenda de defesa de acusações e afastou potenciais investidores”, justifica.

“É sempre muito arriscado o governo contar com receitas extraordinárias para cumprir meta de primário, mas essa é a nossa realidade e o que tem sido feito desde a crise de 2008”, avalia a economista Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.

A área econômica fez um corte inicial de R$ 42,1 bilhões no Orçamento deste ano e, até agora, conseguiu liberar apenas R$ 3,1 bilhões. O desejo é reduzir o contingenciamento ao longo do ano, mas ainda não é possível garantir que isso será possível.

Com a intensificação das incertezas em torno das receitas, Klein avalia que o déficit será de R$ 148 bilhões. “Nossos cálculos mostram a arrecadação de tributos estagnada em termos reais e já consideram R$ 37,5 bilhões em receitas não recorrentes como a repatriação e o novo Refis”, diz o economista. “Estamos contando R$ 30 bilhões com a repatriação, o que já é uma estimativa otimista.”

Para o diretor executivo da IFI, a meta fiscal ainda é possível, desde que o governo atue para ajustar as contas ao cenário de maior aperto. “Ou o governo sinaliza que as contas vão se realizar, ou a meta cai por terra”, afirma Salto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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