Um dos mais sérios defensores do ensino de qualidade e valorização do professor no País, o senador Cristovam Buarque (PDT), de 68 anos, não anda nada satisfeito – e há muito tempo – com a nossa política educacional. Disse que o Brasil só sente vergonha quando o futebol vai mal.
Esta semana, ele sugeriu o impeachment para governadores e prefeitos que não pagam o piso salarial aos seus professores. O senador ainda luta por uma nova carreira no magistério, com salários mais altos e muito mais rigor na avaliação dos professores.
Pernambucano de Recife, engenheiro mecânico, economista e educador, Cristovam – ministro da Educação no primeiro mandato de Lula e ex-governador do Distrito Federal – lamentou à Revista Free São Paulo que o Enem caiu no descrédito com as trapalhadas do MEC na gestão do ministro Fernando Haddad, hoje pré-candidato a prefeito de São Paulo, pelo PT. Mas, esperançoso, afirmou que "dá para recuperar" [a credibilidade].
– Dias atrás, no plenário do Senado, o senhor criticou a postura do governo, principalmente na área econômica, com relação ao desenvolvimento do País, e afirmou que a solução passa diretamente pela educação. Até que ponto a educação é a solução para todos os nossos problemas?
CRISTOVAM – Isso não existe. A educação não é a solução para todos os nossos problemas. Cada problema tem a sua solução. O que falei é que o país peca em dois aspectos: não inventa novos produtos nem consegue aumentar a capacidade de produção de cada trabalhador. Na produtividade, somos fraquíssimos. Mais grave ainda é que temos 0% em criatividade, tirando os aviões da Embraer. E criatividade vem da ciência e tecnologia. O País para ser inovador exige educação de qualidade em sua base, no ensino fundamental.
– Qual sua avaliação sobre o atual sistema de educação do Brasil?
CRISTOVAM – Nós temos escolas que são muito boas para todas as pessoas que podem pagar muito e escolas federais, públicas, para pouquíssimos. No Brasil, das 200 mil escolas públicas e particulares que existem, não chega a mil o número de escolas com qualidade no ensino.
– E de quem é a culpa?
CRISTOVAM – Primeiro, de uma cultura tradicional brasileira que não considera a educação como valor fundamental; o Brasil não sente vergonha de ter uma educação ruim, mas sim quando o futebol vai mal. Ninguém aqui é respeitado por ser culto, mas por ter um bom carro, uma roupa de marca. Segundo, temos duas castas: uma de ricos e outra de pobres. E abandonamos tudo que é do pobre, como transporte, saúde, moradia e, também, a educação. Aliás, educação não dá voto.
– Onde o nosso ensino superior deixa a desejar?
CRISTOVAM – Temos profissionais sem qualificação, que entraram [no mercado] sem qualificação. Nosso ensino médio é ruim e o problema do ensino superior está neste ensino médio, de baixíssima qualidade.
– O Enem é um bom caminho para se chegar à faculdade?
CRISTOVAM – O Enem em si não é ruim. Ele é um bom instrumento de avaliação.
– Mas as trapalhadas na gestão de Fernando Haddad no MEC, como roubo de provas do Enem, erros na impressão dos testes, banco de questões insuficientes e que dá margens à insegurança, o Enem na mira do TCU, não fazem o Exame cair no descrédito?
CRISTOVAM – Isso é uma verdade. O que aconteceu no MEC tirou o descrédito do Enem, mas dá para recuperar a credibilidade, acho que depois de realizarmos mais dois, três, quatro exames.
– Qual nota o senhor daria à atual política do MEC?
CRISTOVAM – Para a universidade, daria nota 6 por conta do alto investimento que as universidades receberam do governo federal. Para a educação de base, daria nota 3 pelo abandono em que ela se encontra. Não vejo saída para a educação brasileira sem a federalização.
– O que isso significa?
CRISTOVAM – Fazer com que as nossas atuais 300 escolas federais cheguem, daqui há alguns anos, a 200 mil, que é o número de instituições de ensino existentes, hoje, no Brasil.
– O senhor, esta semana, sugeriu o impeachment de prefeitos e governadores que não pagam piso do magistério. Essa questão salarial do professor é uma das que mais lhe incomoda na política educacional brasileira?
CRISTOVAM – Sim, mas não uma valorização vinculada exclusivamente ao salário. Mas ao respeito aos professores, à qualificação e isso, claro, ao lado de um bom salário. Nossos profissionais precisam ser avaliados com rigor. Por isso proponho uma nova carreira do magistério, uma carreira federal, que pague R$ 9 mil ao professor, selecionando 100 mil novos professores por ano e que eles sejam avaliados todos os anos.
– Então o senhor ficou abismado quando São Paulo contratou professores que foram reprovados no último concurso?
CRISTOVAM – Fiquei muito mais abismado ao observar que não havia outra alternativa. Vejo que não foi feito o dever de casa com antecedência. Se nem São Paulo, com toda sua força econômica, consegue fazer educação, imagine em outros estados brasileiros.
– O senhor é autor do projeto que prevê a obrigatoriedade da utilização de escolas públicas para os filhos de políticos. Até que ponto é falta de decoro um detentor de mandato ter o filho numa escola particular?
CRISTOVAM – Olha, este projeto está parado na Comissão de Constituição e Justiça [e de Cidadania]. E é sim falta de decoro, pois a gente tem que cuidar da escola pública; não cuidamos e colocamos nossos filhos na escola particular.