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CRÔNICA DA CIDADE – A história do Matadouro que fez época e morreu sem glórias

A rua Sertaneja era lugar agitado, nos tempos em que sua principal construção – o Matadouro – funcionava plenamente. Por essa travessa da Monteiro Lobato chegava a boiada destinada ao abate, depois de atravessar a cidade pela D. Pedro II. Mais tarde, quando o boi foi trocado por suíno, caminhões faziam fila para descarregar mil porcos por dia.
 
 Apesar do mau cheiro, dos gritos incessantes dos suínos sendo abatidos, e do sobrevoo dos urubus, algumas famílias moravam na rua. Entre elas a de um dos sócios do Matadouro, o comendador Wilson Talarico, com sua mulher, dona Adozinda Amálio Castro.
 
 
O frigorífico Mercantoni, seu nome oficial, foi inaugurado em 1954, há 63 anos, onde eram as terras do fazendeiro Francisco Amorim. Vinte e oito anos depois, em 1982, fechou as portas. O que chegou aos nossos dias são as ruínas da antiga construção, situadas à beira de um córrego, mas junto a vegetação aprazível.
 
 
 A água do córrego levava os rejeitos da produção. Hoje, recebem despejos urbanos e estão seriamente poluídas.
 
 
 A rua Sertaneja, por sua vez, é um corredor deserto, com tapumes ou muro dos dois lados. As casas que existiam, quatro, foram demolidas.
 
 
 Márcio Rosa Martins, um especialista em logística, nasceu em uma dessas casas há 48 anos. Entre as lembranças da infância está a de afastar urubus com seu estilingue. “Era muito urubu, atraídos pelo sangue e os dejetos dos porcos”, recorda.
 

Márcio Rosa Martins, que foi vizinho do Matadouro, apontando para o que restou da empresa

 
Não era nascido, na época dos bois. Mas seu pai contava que, junto com os que conduziam a tropa, vinha um funcionário do Matadouro. Sua missão era escolher os melhores bovinos, na hora da compra. Pessoa conceituada: organizava a Festa de Reis no bairro.
 
 
Naqueles tempos, a área onde estava o frigorífico tinha uma porção verde bonita, agradável. Tanto que, quando os pais de Márcio se casaram, em 1962, a festa foi nesse lugar.
 
 
 O pai, Oscar Nicolau Martins, e um sócio, o conhecido Zé Mineiro, tinham um açougue vizinho ao Matadouro. Dele compravam vísceras e miúdos de porco, e os vendiam principalmente para feirantes. 
 
 
Em uma rua próxima da Sertaneja mora Ataliba Fernandes, de 74 anos. Quando tinha doze, a mãe conseguiu emprega-lo, de favor, no Matadouro. “Éramos muito pobres”, lembra o ex-funcionário. O menino limpava tripa e “ajudava em uma coisa aqui, outra ali”.
Ataliba Fernandes, que trabalhou no Matadouro com doze anos
 
 
 E presenciava fatos que marcaram sua memória. Ainda agora fica agitado ao falar disso – a forma cruel com que se abatiam bois e porcos. Estes, depois de golpeados, eram levados por um esteira aérea, agonizando. “Não paravam de berrar e o bairro ficava um inferno.”  
 
 Ataliba lembra da boiada passando pela rua D. Pedro II. “O barulho (o tropel) parecia que ia rachar as paredes das casas.” À frente, ia um vaqueiro, “avisando as pessoas”. “Os peões vinham com a cara suja de terra, só se enxergava os olhos.”
 
 
 Na rua Cambará do Sul, separada do Matadouro por uma extensão contínua de mata exuberante, pode-se encontrar Severino Pedro Ferreira, o primeiro morador do lugar. Chegou em 1970. Sua casa está à beira do Córrego do Japonês. Durante bom tempo nadou naquelas águas e pescou muita tilápia.
 
Severino Pedro Ferreira, diante do córrego poluído
 
 
Hoje está desolado com a poluição da água. É o mesmo córrego que servia o Matadouro. “Com essa mata toda e água limpa, esse lugar daria um bom parque”, diz.  
 
     

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