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CRÔNICA DA CIDADE – Resistentes marcos históricos, feitos para sentar

   Os bancos da praça Getúlio Vargas têm um valor muito maior do que simplesmente oferecer descanso. De certa forma, são marcos da história da cidade. Veja-se o caso do banco que tem, no encosto, esta inscrição:  

Casa Dois Irmãos

Adib Jorge & Irmão

Bem no centro da cidade

    A rua D. Pedro II ainda não era calçada, mas uma via de terra, quando Antonio Jorge, um imigrante libanês, entrou com um pedido de alinhamento na Prefeitura. A providência era necessária para situar os limites de um terreno e poder-se construir nele.

Adib atravessando a rua D. Pedro II, tendo ao fundo a loja, em meados de 1980


    – Foi o primeiro pedido de alinhamento da D. Pedro II – recorda hoje um dos dez filhos do imigrante, Adib Jorge, aos 92 anos, memória impecável.

   Corria o ano de 1945. A casa foi erguida, mas não só como moradia. Um dos quartos, pequeno, 3,5 metros de frente, por quatro de fundos, destinava-se a uma loja.

   Foi assim que surgiu a Casa Dois Irmãos. Era a única que vendia calçados na cidade (muita botina, para enfrentar a lama), além de roupas masculinas. Mais tarde entraram tecidos, e estava tudo muito bem, até surgir um concorrente forte, as Casas Pernambucanas. Os tecidos saíram das prateleiras.

   – Mas era uma época boa, não tínhamos muita concorrência – recorda Adib. Além da oferta tradicional, a loja vendia miudezas como botões, renda, chita.  Cresceu tanto, que tomou a casa toda. Para moradia, foi preciso construir dependências nos fundos do terreno.       

   O irmão e sócio de Adib, Antonio Jorge, certa vez cometeu uma proeza. Trouxe nas costas, a pé, da Penha a Guarulhos, uma máquina de costura. Portátil, é verdade; mas de ferro e pesada. Vendeu-a por bom preço.

    – Ele disse para nossa mãe: ‘Hoje tem frango’ – recorda Adib. – Frango só se comia aos domingos.

    Antonio Jorge faleceu em 1970, aos 105 anos.         

    A praça Getúlio Vargas foi aberta em 1952, lá se vão 65 anos. Precisava de bancos… O comercio e a Prefeitura se entenderam.

Os comerciantes arcariam com os custos dos bancos, e em troca poderiam gravar seu nome naquele que lhe cabia.

   Adib Jorge lembra-se dos sábados e domingos na nova praça. Muitas pessoas sentavam-se, é verdade. Mas à noite… “Com o chafariz ligado, os casais caminhavam pela praça, comiam pipoca, amendoim e sorvete, comprados dos ambulantes. Era um prazer.”

    Há algum tempo, houve um movimento para a troca dos bancos,  por outros mais modernos. Mas, diante da repercussão negativa, o assunto acabou esquecido.  

    A Casa Dois Irmãos fechou em 1986, mas foi sucedida por outra com as mesmas características, no Shopping Poli, durante quatro anos. Adib está ativo até hoje. Durante algumas horas da manhã, dá expediente em seu escritório, onde trata de questões burocráticas de negócios de família

    A abertura da praça Getúlio Vargas, onde, como se viu, estariam os bancos com os nomes dos comerciantes, desagradou boa parte deles. Pois no terreno destinado à praça ficava a sede de memorável time de futebol, o Sport Clube Paulista, tricolor (preto, branco e vermelho) como o São Paulo.

Time do Sport Club Paulista. Em pé: Adib (técnico, de terno), Clóvis, Alberto, Nim, Jaú, Bicudo e Flávio. Agachados: Jijo, Dica, Daniel, Isca


   Adib Jorge era o técnico. Sob sua batuta, o clube disputou com adversários como o Sport Club de Vila Galvão, o Macedo, o Vila Augusta, o Tietê, da Ponte Grande. “Ganhamos bons campeonatos”, recorda.

    E consola-se:

    – Reclamaram muito porque perderam o campo, mas ganhamos uma praça bonita.  

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