Quem se aproxima de uma pessoa que não conhece cria uma imagem dela, em grande medida, influenciada pelo uso que ela faz das palavras, ao falar ou ao escrever. Hoje, sabe-se, um texto mal escrito por um advogado, médico ou engenheiro é suficiente para afetar o conceito profissional dele. E, dependendo do texto, seus efeitos podem fazer estragos ainda maiores. Pois, através das palavras, quem as usa revela de si mesmo nível de instrução, grau de inteligência e de sensibilidade, formas de atuação – amorosa ou agressiva, por exemplo – e, até traços de caráter. Com as palavras, podem emergir preconceitos odientos, propensão para caluniar, mania de grandeza, uma variedade infinita de condições e estados subjetivos.
Assim, pode-se dizer: uma pessoa é o seu texto. O que, às vezes, resulta em constrangedoras exibições de almas, com tudo que nelas pode ser abrigado. Como ocorreu, há poucos dias, quando o UOL divulgou uma iniciativa da cantora de rap Preta-Rara, e, dezenas de comentários foram postados naquele site.
Joyce Fernandes é o nome verdadeiro da cantora. Como sua avó e sua mãe, ela foi empregada doméstica. Mas, pôde estudar e tornou-se professora de História. Hoje tenta se livrar dos traumas da pobreza relatando-os em sessões de Psicoterapia. Este privilégio, de algum modo, ela quis oferecer também às mulheres que exercem sua antiga função. Para isto, criou no Facebook uma página – “Eu, empregada doméstica” -, destinada a acolher o que elas quiserem relatar.
Foi diante de algumas das narrativas postadas ali, que os autores dos comentários mostraram entranhas. E não provocaram boa impressão. Alguns deles, transcritos literalmente: “Devia ter um canal também para podermos denunciar empregadas domésticas folgadas, ladras, preguiçosas e golpistas”. “Mais um coitadismo de chorismo pra aparecer na mídia”. “Muito ‘forgada’. Ponha-se no seu lugar”. “Geração mi mi mi. Tudo é discriminação e escravidão. Mais uma formada em escolinha esquerdista. Petista de Araque. Vai trabalhar desocupada”. “espero que uma ativista feminista contrate essa moça para ver o que é bom, rs!”. “Acho que ninguém possa acreditar a reportagem de essa idiota e sem caráter”. “e tao ignorante no que escreve que da pena. Nunca forao OBRIGADAS ou caçadas no laço para trabalhar nesta função”. “Não vejo motivo pelo qual a doméstica tenha direito a sentar na mesa com patrões, faltar ao trabalho porque o filho está doente”.
O conjunto destes textos receberam do site DCM a classificação de “enxurrada de chorume”.