Dispostas em bases de madeira, antigas enciclopédias têm suas capas transformadas em pequenas telas nas quais mulheres e homens negros, alguns deles, índios, são retratados com tinta a óleo. Em algumas dessas obras, expostas no estande da Sé Galeria na SP-Arte, inaugurada nesta quinta-feira, 7, para o público, as figuras estão sobre um bonito fundo chapado azul – e em outras, o suporte virgem dos livros recebeu imagens de personagens que, segurando ervas medicinais, parecem pertencer a muitas histórias. De uma forma delicada e ao mesmo tempo contundente, o pintor Dalton Paula conta que suas criações propõem, metaforicamente, um processo de “cura” – “a cura simbólica de uma imagem estereotipada sobre a condição do negro”.
“Ainda acho que são poucos os artistas que tratam da questão de raça”, afirma Dalton Paula, que também trabalha, desde 2004, como bombeiro em Goiânia. Mas, é verdade, tem sido um momento tão especial em sua carreira artística que ele já até considera largar o outro ofício – além de receber nesta quinta-feira, 7, o Prêmio Illy Sustain Art da SP-Arte/2016, (no valor de R$ 20 mil), o artista, de 33 anos, acaba de ser escalado para a 32.ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada em setembro.
Na última terça-feira à tarde, enquanto a 12.ª edição da feira internacional de arte de São Paulo ainda estava em plena montagem, todas as pinturas de Dalton Paula do estande da Sé Galeria já haviam sido vendidas, segundo a galerista Maria Montero. Mas a felicidade daquele dia para o artista não parava por aí – poucas horas antes, o pintor tinha realizado sua primeira reunião com a equipe da 32.ª Bienal, que tem curadoria-geral de Jochen Volz. “É uma aposta muito firme”, comentou a curadora Júlia Rebouças, sobre o convite para participar do evento, considerado um dos mais importantes do calendário das artes mundial.
Desde 2014, quando realizou sua primeira exposição individual em São Paulo, na Sé Galeria, no centro da cidade, e participou da mostra Histórias Mestiças, apresentada no mesmo ano no Instituto Tomie Ohtake, a produção de Dalton Paula vem sendo identificada por suas pinturas que trazem negros retratados sobre volumes de enciclopédias, uma pesquisa inspirada nas fotopinturas do Nordeste.
“Nessa prática popular, as imagens possibilitam sonhos e desejos, já que uma pessoa sem posse pode ser colocada com roupa bacana e joias”, exemplifica o pintor. Inspirado nesse procedimento do edição, Dalton transforma homens e mulheres da raça negra em “protagonistas”, representando-os em um suporte relacionado ao “conhecimento eurocêntrico e erudito”. “O trabalho fala desse paradoxo”, define.
Entretanto, Dalton Paula, formado em artes visuais na Universidade Federal de Goiás, tem uma produção artística intensa, com experimentações nos campos da fotografia e da performance, assim como uma importante história de perseverança. Quem poderia imaginar que até pouco tempo atrás o próprio pintor vendia suas obras por R$ 100 com o intuito de arrumar dinheiro para comprar suas telas e tintas?
“Uma vez pedi R$ 140 por uma pintura de 50 cm X 70 cm emoldurada de um vaso de copo de leite, mas a pessoa chorou, chorou e caiu para R$ 100”, lembra, divertidamente, Dalton Paula. “Esses livros mesmo (como os da série que está agora na SP-Arte), já vendi com desconto por R$ 70”, conta ainda o pintor, que oferecia suas criações para colegas de trabalho de sua mãe, familiares e amigos, inclusive, bombeiros.
Nascido em Brasília, Dalton Paula prefere dizer que é um artista goiano. “Minha formação foi em Goiás”, explica, e, desde 1990, quando sua mãe, funcionária pública, passou em um concurso e sua família teve de se mudar para Goiânia, ele não quis mais sair de lá. “Fui um dos motivadores para ficarmos.”
Na adolescência, quando cursou aulas de desenho na escola do Museu de Arte Contemporânea da capital goiana, suas criações tinham como temática a cultura popular – como festas e referências à congada, por exemplo. “Minhas obras eram enquadradas, como naif”, diz Dalton, que foi premiado em 2008 na Bienal de Arte Naif do Sesc, realizada em Piracicaba.
Agora, qualquer classificação sobre a produção artística de Dalton Paula é reducionista. “Nos interessa muito o Dalton pintor, a maneira como ele articula matrizes diferentes”, afirma a curadora da 32.ª Bienal, Júlia Rebouças. No caso da edição do evento, o artista vai apresentar um trabalho inédito, Rota do Tabaco, que vai tratar de escravidão, mas também do caráter medicinal das plantas. Por ora, o artista já fez pesquisas em Cuba e em Piracanjuba (GO) e a Fundação Bienal de São Paulo vai comissionar sua ida a Cachoeira, na Bahia, para a realização do trabalho.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.