A cantora Daniela Mercury enviou uma carta ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cobrando uma ação do órgão sobre o recurso movido pela Advocacia-Geral da União (AGU) para a ampliação de um excludente de ilicitude para homofobia. A conduta foi criminalizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, mas governo quer saber se liberdade de expressão poderia respaldar manifestações não aviltante a propósito da moralidade sexual.
Além disso, a AGU quer que a Corte explique quais expressões religiosas podem ser consideradas preconceituosas, pois a decisão da Corte afirmou que a criminalização resguardaria a liberdade religiosa desde que não fosse caracterizado discurso de ódio.
A carta de Daniela Mercury foi endereçada ao presidente do STF e do CNJ, ministro Luiz Fux. Nela, a cantora diz que recebeu com extrema preocupação e decepção o recurso apresentado pela AGU que pede ao Supremo a criação de um direito de discriminar pessoas LGBTI+ com base em suas crenças religiosas.
"A petição da AGU é vaga, não explica a que tipo de situações de fato se refere, mas visa a legitimar condutas discriminatórias, pois dá a impressão de querer uma carta em branco, para que pessoas se limitem a alegar que não querem a presença de pessoas LGBTI+, com base em suas crenças religiosas", afirmou a cantora. "Chega-se ao cúmulo de pedir um direito de segregar pessoas em espaços públicos, como banheiros e vagões de transportes públicos".
Um dos pedidos da AGU, de fato, pede que seja ressalvado de classificação como conduta homofóbica qualquer ato de controle de acesso a espaços de convivência pública praticados sob o imperativo de reserva de intimidade. Para Mercury, a medida é uma tentativa de ressuscitar a horrível e superada doutrina do apartheid, que garantiria um direito de igualdade, mas mediante a segregação.
"Não podemos aceitar que exista um direito de discriminar, invocado por fundamentalistas radicais que se indispõem com a convivência harmônica em uma sociedade plural", afirmou.
Mercury pediu ao CNJ que convoque uma reunião extraordinária do Observatório dos Direitos Humanos para debater o recurso da AGU e informar aos ministros do Supremo a importância de manter a decisão na ADO 26, julgamento que levou à criminalização da homofobia por equiparação ao racismo, no ano passado.
O recurso da AGU foi apresentado na última terça, 13, como embargos de declaração – um instrumento jurídico no qual, concluído o julgamento, uma das partes pode pedir aos ministros que esclareçam alguns pontos que consideram obscuros ou omissos na decisão. A peça é assinada pelo advogado-geral da União, José Levi.
A AGU diz que o exercício pleno de viver conforme princípios religiosos envolve outros comportamentos que não foram considerados na decisão que criminalizou a homotransfobia.
"A proteção dos cidadãos identificados com o grupo LGBTI+ não pode criminalizar a divulgação – seja em meios acadêmicos, midiáticos ou profissionais – de toda e qualquer ponderação acerca dos modos de exercício da sexualidade. Assim como a reflexão relativa a hábitos da sexualidade predominante deve ser garantida, também é necessário assegurar liberdade para a consideração de morais sexuais alternativas, sem receio de que tais manifestações sejam entendidas como incitação à discriminação", registra trecho da peça.
Como o julgamento foi relatado pelo então ministro Celso de Mello, que se aposentou na mesma data em que o recurso foi elaborado, os pedidos da AGU podem ser herdados pelo desembargador Kassio Nunes, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga no Supremo.