Foram seis meses em cenários distintos. Viagens, algumas mais longas, outras curtas, que tinham o Brasil como ponto de retorno – e maior permanência. Nesse seu período sabático – que, por convenção, antecede um novo ciclo -, Arnaldo Antunes, ao lado da mulher, a artista plástica Marcia Xavier, passou por Uruguai, Paraty, no Rio, Nova York, nos EUA, Índia, e, por fim, Milão e Roma, na Itália. Tudo sem pressa. Arnaldo precisava de um respiro no seu cotidiano atribulado, atropelado pelos muitos trabalhos, para refletir, contemplar, reparar.
E foi inebriado por essas paisagens e, sobretudo, impregnado por esse estado de espírito que Arnaldo compôs boa parte das canções de seu novo disco, Já É, o 16º da carreira e com o qual ele faz show de quinta-feira (24) a domingo (27), no Sesc Pompeia. Na apresentação, o repertório reúne 11 das 15 canções que fazem parte do novo trabalho, além de canções já conhecidas A Casa É Sua e Socorro, outras que não cantava fazia tempo, como Longe.
“Percebi que compunha muito nas férias. Quando eu tirava férias, me colocava em um estado de disponibilidade emocional e mental que era muito propício. Pegava o violão, ficava compondo sem compromisso. Isso talvez dê espaço para pintar as coisas mais interessantes, as que realmente soam mais significativas foram feitas assim”, diz o cantor e compositor paulistano, que, logo após as férias ampliadas, lançou um livro de poemas inéditos, Agora Aqui Ninguém Precisa de Si, e inaugurou a mostra Palavra em Movimento, em cartaz em Brasília.
“Sempre tirava férias muito curtas, só de um mês, e agora eu estava vindo de um período em que lançava quase um disco por ano. Fiz Iê Iê Iê, Ao Vivo Lá Em Casa, A Curva da Cintura, Disco, Pequeno Cidadão, Acústico. Desde 2009, foram seis discos. Então, queria dar um stop primeiro nesse ritmo, ver um pouco as coisas de longe, parar para mudar tudo.” Contribuiu para esse processo de mudança o local de gravação – agora, no Rio de Janeiro – e o produtor – o requisitado Kassin, com quem Arnaldo Antunes trabalha pela primeira vez.
Para o novo trabalho, a princípio, Arnaldo planejava não um disco, mas um EP, formato mais enxuto, que teria seis faixas e seis produtores, um para cada música. No entanto, durante o sabático, os planos mudaram, ele conta. “Comecei a compor e todas as músicas tinham um elo temático. Disse: Não, esse é um disco grande, tem uma cara. Então, adiei esse projeto do EP, mas queria alguém para amarrar tudo. Escolhi o Kassin, e foi maravilhoso ter ido para o Rio, estar com alguns músicos com quem eu já havia trabalho antes, como Cézar Mendes, Pedro Sá e Davi (Moraes). Eles já tinham gravado nos meus discos, mas pontualmente, como uma participação em uma faixa ou outra. Dessa vez, não, quis gravar com a galera lá. Acho que deu uma renovada na sonoridade no meu trabalho.”
E muito dessa renovação, ele atribui também a Kassin e sua atuação atenta aos detalhes – e aos sinais. Para Arnaldo, a versatilidade do produtor faz com que ele se adapte bem a qualquer tipo de sonoridade à qual está a serviço. “Esse foi talvez o disco menos tenso que gravei, mais tranquilo, porque o Kassin deixa você muito à vontade”, conta. “Ele me ajudou a escolher o repertório – cheguei com 25 músicas, tudo o que compus na viagem. Então, esse olhar seletivo foi importante e, depois, as timbragens. Ele é muito esperto em achar o timbre certo e original.”
Menos rock
No disco Já É, as faixas se conectam por temas que se mostram estreitamente próximos – o tal elo ao qual Arnaldo se refere -, como a negação à pressa, a alegria com o momento, a naturalidade, o sentimento de gratidão, a meditação. Grande parte delas foi composta no eixo Paraty, Nova York e Índia. Há algumas poucas canções que são anteriores, como As Estrelas Sabem (com Zé Miguel Wisnik) e As Estrelas Cadentes (com Ortton).
Mais do que os locais onde Arnaldo esteve, no País ou no exterior – que, sim, têm sua cota de influência -, o que parece inspirá-lo mesmo são os tempos de calmaria, do dolce far niente, passados ao largo do frenesi dos compromissos com agenda de shows e projetos. Com exceção da Índia, que Arnaldo conheceu pela primeira vez e lhe proporcionou uma experiência intensa. “O contato com a espiritualidade, com a filosofia do ambiente, na Índia, de certa forma, trouxe muita coisa para o disco, mesmo músicas que não foram feitas especificamente lá, mas tematicamente se amarram com alguma coisa que tem a ver com a Índia.”
Coerente com a obra do compositor, o álbum parte para o ecletismo de ritmos, da primeira faixa, a contagiante Põe Fé Que Já É (parceria dele com Betão Aguiar e André Lima), que remete à sonoridade do Pará – com a qual Arnaldo já havia flertado em Ela É Tarja Preta, em seu trabalho anterior, Disco (2013), passando por Saudade Farta, numa levada bossa-novista, e pelo samba Só Solidão (com Marcia Xavier), até desembocar no mantra Aqui Onde Está (também com Marcia). “Acho que esse disco é menos rocknroll, tem só dois: O Metereologista (feito por Arnaldo sob o efeito do frio americano) e Na Fissura (com Betão Aguiar e Chico Salem). Mas o resto é mais cool. Acabo compondo com essa variedade mesmo.”
Um dos convidados do Rock in Rio para se apresentar no projeto em homenagem a Cássia Eller, na semana passada, Arnaldo, que já havia participado de outras edições do festival, diz que o mais emocionante foi cantar acompanhado da banda que acompanhou a Cássia por anos. Nas redes sociais, havia quem criticasse a atitude pouco politizada dos artistas durante o festival – mesmo com João Barone, do Paralamas, manifestando-se ao dizer, no show, que “O Brasil pode dar certo”, houve quem pedisse uma posição mais contundente da banda. Segundo Arnaldo, essa “obrigatoriedade” de que o artista tem de se posicionar politicamente não existe. “Quem quiser falar que fale, mas como cidadão, não porque é artista.” E, como cidadão, ele afirma ser contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Não votei na Dilma e defendo o mandato dela até o final, e acho que as pessoas têm de ajudar o País conjuntamente”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.