David Bowie tinha 57 anos quando abandonou as turnês. Aquele fim de julho de 2004 fora difícil para o inglês. Numa semana, foi atingido por um pirulito no olho, durante uma performance em Oslo, na Noruega, e, na outra, sentiu uma forte dor no peito durante a apresentação no Hurricane Festival, em Scheessel, na Alemanha.
Achou que era um nervo pressionado no ombro direito, mas descobriu que seu coração estava prestes a ter um ataque fulminante. Depois disso, fez uma ou outra apresentação esporádica até um set de três músicas em Nova York, em 2006. Desapareceu e assim ficou por anos.
O retorno se deu de supetão. Nem mesmo sua equipe de assessoria de imprensa sabia que, em 2013, Bowie mostraria ao mundo que havia retornado aos estúdios (e não às turnês, que isso fique bem claro). Veio The Next Day, um disco com viés roqueiro, para o padrão camaleônico de Bowie.
Prestes a completar 69 anos, data a ser comemorada nesta sexta-feira, 8, ele se transformou de novo. Mudou como tantas vezes o fez. Mostra agora uma face mais experimental, vanguardista, mais jazz do que rock, em Blackstar, álbum que será lançado mundialmente na data do seu aniversário, e que chega ao País pela Sony Music.
Trata-se do 28.º álbum de estúdio de David Robert Jones, contando os dois discos lançados com a banda Tin Machine entre os anos 1980 e 1990, um dos homens responsáveis por transformar aquilo que conhecemos por rock uma dúzia de vezes, pelo menos. É também um disco que, segundo contou o produtor Tony Visconti – que acompanha Bowie desde o fim dos anos 1960, quando este lançou o segundo álbum, conhecido como Space Oddity -, manteria a distância do gênero e da guitarra.
Em entrevista à Rolling Stone norte-americana, o produtor – que, desde The Next Day, tem sido uma espécie de porta-voz de Bowie, já que o músico permanece longe dos microfones e gravadores dos jornalistas – diz que Blackstar nasceu inspirado no mais recente disco do Kendrick Lamar, To Pimp a Butterfly. O álbum, eleito pelo Estado como um dos melhores do ano passado, entrelaça hip hop e jazz, foi produzido por nomes como Thundercat e Kamasi Washington, dois músicos dos mais interessantes do novo jazz da costa oeste norte-americana. Gêneros trançados, adornados pelas palavras áridas do rapper, influenciaram Bowie a voltar a “pensar fora da caixinha”.
“Acabamos não produzindo nada parecido com aquilo (o disco de Lamar)”, explica Visconti. “Mas amamos o fato de Kendrick ter uma cabeça aberta o bastante para não fazer um disco de hip hop direto. Ele jogou tudo o que tinha lá. É exatamente o que queríamos fazer. A meta, de várias formas diferentes, era evitar o rock and roll.”
A última frase ecoa ao se ouvir os singles lançados ainda antes da chegada do álbum. Primeiro, com a faixa-título, responsável por abrir o disco. São 9 minutos e 56 segundos que alternam momentos infernais e celestiais. Ora com bateria contínua, vozes fantasmagóricas de Bowie, como anjos (ou demônios?), ora uma balada cristalina. Os metais estão por todas as partes, mas a guitarra, não. O instrumento é relegado.
Lazarus, segunda canção a ser lançada por Bowie, escapa da “fuga do rock”, por assim dizer. A guitarra faz as vezes de um baixo nascido diretamente de uma faixa perdida do Joy Division, mas logo se endireita à estética experimental do álbum.
Blackstar nasceu de uma noite de jazz em um clube tradicional em Nova York, chamado 55 Bar. Ali surgiu Bowie, numa noite de 2014, a fim de conferir o quarteto de jazz vanguardista Donny McCaslin Quartet, por indicação da líder da Maria Schneider Orchestra, com quem o inglês havia trabalhado na faixa Sue (Or in a Season of Crime), uma canção que entrou nas sobras lançadas de The Next Day.
Bowie questionou se Maria Schneider gostaria de trabalhar ao seu lado em Blackstar, mas ela decidiu trabalhar no próprio álbum. Indicou o quarteto do solista do seu grupo, Donny McCaslin. Ao vê-los ao vivo, o inglês soube que havia encontrado um grupo capaz de se libertar das amarras, tal qual ele gostaria. Blackstar nasceu desse encontro pautado pelo improviso, em gravações em Nova York. Recluso, sim, mas ainda capaz de surpreender. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.