Apenas três dos dez casos de estupro denunciados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trote, instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para apurar abusos em instituições de ensino, resultaram em sindicâncias. Relatório da Rede de Proteção às Vítimas de Violência nas Universidades, formada por estudantes, professores e ativistas de direitos humanos, obtido pelo Estado, mostra que somente um aluno, acusado de abusar sexualmente de duas colegas, foi punido com suspensão. Seis casos são da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
O documento aponta também que equipamentos criados pela principal universidade do País, como o Centro de Direitos Humanos, não surtiram o efeito esperado e teriam servido para “proteger a imagem da instituição”. A USP, porém, afirma que foi a instituição que mais tomou providências entre as citadas na CPI, entre elas a instalação de uma ouvidoria e a convocação de fóruns de debate sobre violência, álcool e intolerância.
O texto assinado por estudantes da FMUSP, de onde partiram as primeiras denúncias, e de outras instituições paulistas foi entregue à Alesp. Agora, há a expectativa de convocação de audiências públicas neste ano.
A CPI do Trote foi instalada em dezembro de 2014, depois de duas estudantes da FMUSP denunciarem, em audiências públicas, terem sido estupradas por colegas em festas. Além de estupros, houve relatos de homofobia, machismo, racismo e violência nos trotes.
Os trabalhos foram encerrados em março e um dos principais resultados foi a aprovação de uma lei, à espera da sanção do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que impede o trote, com a previsão de expulsão de alunos e exoneração de funcionários envolvidos.
O ex-deputado Adriano Diogo (PT), que presidiu a CPI, afirma que crimes continuam acontecendo nas universidades. Ele lembra o caso do médico Orlando Saraiva Filho Leão, de 39 anos, que morreu em uma festa ilegal na Cidade Universitária, no Butantã, zona oeste, na madrugada do dia 4 de dezembro. Leão era ex-aluno da FMUSP e foi espancado por pessoas que participavam do evento. “É preciso criar mecanismos para acabar com a impunidade”, diz.
Para o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) Antonio Almeida, que estuda trotes há 15 anos, uma das principais causas da impunidade é a falta de atitudes duras da própria instituição de ensino. “A Esalq é um exemplo. Cerca de 15 sindicâncias foram abertas desde março e não chegaram a nenhuma conclusão”, diz. A unidade foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos.
Escândalo. A USP entrou no epicentro dos escândalos quando uma aluna, hoje com 23 anos, denunciou ter sido abusada sexualmente por dois colegas do 4.º e 5.º anos em uma festa de estudantes da Medicina em 2013. Ela contou que eles teriam oferecido bebida e a levado para um carro, onde passaram a mão em sua partes íntimas, a beijaram e tiraram sua calça. Uma sindicância foi instaurada e apontou ato “consensual”. Após a CPI, o processo foi reaberto, desta vez concluindo que houve estupro.
Os alunos foram só advertidos.
Em outro caso, depois da CPI, um aluno acusado de ter estuprado duas alunas, investigado pela polícia sob sigilo, foi suspenso pela FMUSP por seis meses e impedido de colar grau. Em setembro passado, a pedido da reitoria, a punição foi prorrogada por mais um ano.
Outro desdobramento da CPI foi a suspensão em setembro, a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), do Show Medicina, evento realizado desde 1944. A festa foi denunciada por humilhação aos participantes com “forte assédio moral, sexual, além de violência física e noitadas com prostitutas”, escreveram as promotoras Beatriz Fonseca e Silvia Chakian de Toledo Santos, responsáveis pelo inquérito civil. Elas sugeriram abertura de sindicância, pedido não acatado pela FMUSP.
Nova CPI. À USP se somaram denúncias de violência em eventos da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp), PUC de Sorocaba, Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Diante dos casos, há o esforço para nacionalizar as investigações, na Câmara dos Deputados.
Em novembro, a Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher fez audiência sobre violência sexual, quando a possibilidade foi levantada. Nalu Farias, militante da Marcha Mundial das Mulheres que depôs na ocasião, diz que os casos de São Paulo não são isolados. “Uma CPI (nacional) pode ajudar a combater abusos que se tornaram uma prática institucional.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.