Sergio Machado tinha 24 anos e era engenheiro da Vale do Rio Doce, em Vitória, quando recebeu uma oferta profissional irrecusável. Irrecusável porque veio do pai. O que estava em jogo, ele disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, era seu casamento e a subvenção da sobrevivência no Rio, para onde queria voltar, da família que estava começando a construir.
Foi então nessa época, 1972, que ele entrou para o negócio do livro. Começou no departamento administrativo da editora Record, que havia sido fundada por seu pai, Alfredo Machado, e por seu tio, Décio Abreu, seis anos antes de ele nascer. Assumiu a presidência com a morte Alfredo, em 1991, e iniciou um longo caminho para transformar aquela editora, que já era grande e contava com nomes fortes como Jorge Amado e Graciliano Ramos, no maior grupo editorial da América Latina. E conseguiu.
Foram 44 anos na empresa – período em que comprou as tradicionais José Olympio, Civilização Brasileira e Paz e Terra, a Best Seller, Bertrand e Verus, que fez uma joint-venture, recém desfeita, com a canadense Harlequin, e que criou outros selos, como o Galera e o Galerinha. A Record foi, aliás, a primeira editora brasileira a se organizar em selos – hoje, isso é comum -, e Sergio dizia que isso veio de seu sonho de torná-la um editora como as americanas, com catálogos diversificados e até uma certa concorrência entre si. O Grupo Record publica, hoje, em média, 40 livros por mês, impressos em seu parque gráfico no Rio de Janeiro.
São cerca de 8 mil títulos e 3 mil autores em catálogo – de Agatha Christie e Sidney Sheldon a Graciliano Ramos e Nélida Piñon. Pertencem ao grupo, ainda, as seguintes editoras e selos: Best Business, BestBolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros.
O ex-engenheiro gostou de trabalhar com livro, e fez isso até novembro do ano passado, quando foi submetido a uma cirurgia para a retirada de um tumor na meninge. Passado um tempo, houve complicações. Sergio Machado morreu na noite de terça-feira, 19, aos 68 anos. Ele deixa a mulher, três filhas – duas delas trabalham na editora – e três netos. E vários amigos do mercado editorial.
Paulo Rocco, presidente da Rocco, por exemplo, disse que conviveu com o editor por quase 40 anos. Era amigo do pai, ficou amigo do filho. “Não tinha isso de sermos concorrentes. Trocávamos opinião. Ele era muito audacioso, acreditava no mercado editorial – tanto que comprou várias editoras. Essa foi sua grande marca. E ele fez isso sozinho, sem nenhum grupo internacional por trás.”
Uma das frustrações de Sergio Machado foi o grande sucesso editorial de Rocco: Harry Potter. Passou por sua mão e não deu atenção – o adiantamento era de apenas US$ 5 mil, ele contou em entrevista ao Estado. Outra frustração: O Código Da Vinci. Se tivesse oferecido US$ 12 mil a mais no leilão, talvez tivesse ficado com o livro que virou best-seller internacional.
Quem levou o título de Dan Brown foi a Sextante, de Marcos e Tomás da Veiga Pereira, netos de José Olympio, fundador da editora que hoje integra o conglomerado da Record.
“Sergio foi um grande empresário. Um negociador de empresas muito paciente. Tenho enorme admiração pelo que ele construiu. A Record é uma editora muito séria”, diz Marcos, também presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros.
A perda de escritores e obras para outras casas, seja em leilão ou outro tipo de negociação, faz parte do jogo, mas Sergio costumava dizer que, quando vivos, os grandes autores eram da Record. “Eles vieram com suas perninhas e aqui ficaram. Foram os herdeiros que saíram”, comentou. As perdas mais emblemáticas foram de Carlos Drummond de Andrade e Jorge Amado para a Companhia das Letras. Mas o autor de Tieta do Agreste morreu em 2001 e sua obra foi publicada pela Record entre 1977 e 2008, portanto, em seu auge.
Autores nacionais sempre estiveram no radar do grupo e com a chegada de Luciana Villas-Boas na direção do departamento editorial, novos nomes surgiram. Ela ficou na empresa por 17 anos, até 2012, e ajudou no processo de reestruturação da empresa após a morte do fundador. “Como editor, sua marca principal foi o compromisso com a literatura brasileira, que jamais deixou de publicar, mesmo nos tempos mais duros. Como personalidade, o traço principal era a generosidade com o próprio conhecimento”, diz Luciana.
Sergio Machado era um editor sincero, que se posicionava sobre os mais variados temas, como a liberação das biografias e o preço fixo do livro. Tudo sempre com muito humor e muita história – que ele estava reunindo num livro de memórias. Sua trajetória, ele revelou há alguns anos, seria intercalada com a experiência do sequestro de sua irmã, Sônia Jardim, sócia dele na editora e que agora assume o controle da empresa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.