Mundo das Palavras

De volta, a paixão pela política

A comparação, embora imperfeita e provavelmente inapropriada, é útil na busca de compreensão de um fenômeno social relevante surgido no Brasil. Ou melhor, de um fenômeno ressurgido, depois de extinto e sufocado entre nós por um tempo tão longo que só os brasileiros sexagenários puderam conhecê-lo antes. Referimo-nos ao cultivo da paixão pela política, algo tão intenso até 1964, que, naquele ano, terminou fracionando instituições como as Forças Armadas, a Igreja, a Universidade e a Justiça, cuja solidez é indispensável à manutenção da democracia brasileira.  
 
A partir de abril daquele ano, os militares assumiram o comando do Brasil e passaram a impedir a participação geral da sociedade brasileira na escolha das opções determinantes da sua conjuntura econômico-social-política.
 
Mas também na condução do destino de um país, como na condução do destino de uma família – e aí vai a comparação perigosa – o autoritarismo infantiliza seus membros privados de poder. Porque retira deles a responsabilidade pelas decisões que lhes afetam. 
 
Foi o que aconteceu ao longo de duas décadas, pelas quais se estenderam os governos dos generais. Privados por todo este tempo da possibilidade de deliberarem sobre o que lhes afetava, os brasileiros foram forçados a assistir com passividade ao modo como os militares administravam suas vidas. Como era inevitável, esta situação inibiu politicamente nossa gente, de maneira profunda, levando-a à apatia, depois de retirar-lhe qualquer disposição para assumir o risco de quem pode defender livremente e até com veemência seu ponto de vista sobre o país. 
 
Desta espécie de trauma paralisador, parece, aos pouco, fomos nos livrando, à medida que reaprendemos a valorizar a oportunidade de eleger nossos representantes políticos, sobretudo com as frustrações causadas por muitos deles. E como reaprendemos – a julgar pelo rumo extremamente renhido tomado pelas disputas nas últimas eleições.   Um rumo, talvez um pouco assustador a quem não esteja habituado a ele, mas natural e saudável quando tomado por uma população numerosa que vivencia a realidade cotidiana do país em situações muito distintas e, frequentemente, contrastantes. Portanto, é preciso não temer a volta dos confrontos intensos de opiniões. Mas saudá-la como indício da recuperação da maturidade política do eleitorado brasileiro agora desinibido no exercício pleno dos seus direitos democráticos. 
 
Quem não se arrisca, não erra. É verdade. Mas também não aprende, nem amadurece.              
 

Posso ajudar?