“Cara, estou muito empolgado”. Foi com um largo e verdadeiro sorriso que Kaká falou sobre sua volta ao São Paulo após 11 anos na Europa. O craque fica até o fim do ano no Morumbi antes de embarcar na aventura de jogar nos Estados Unidos, mas vive intensamente cada momento no clube. Na longa entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira, Kaká fala sobre a alegria de voltar, sua importância para transformar o São Paulo em um grupo forte e alerta: o futebol brasileiro precisa mudar para não ficar para trás e pede mudanças no calendário.
Estadão – Onze anos depois, o que mudou em você, no São Paulo e no futebol brasileiro?
Kaká – Amadureci muito. Volto casado e com dois filhos, tendo atingido títulos e o topo do futebol mundial com o prêmio de melhor do mundo. No São Paulo a estrutura melhorou muito; já era excelente e se renovou ainda mais. O futebol brasileiro é a minha maior preocupação agora, temos muito o que melhorar.
Estadão – Ainda tendo lenha para queimar, por que resolveu passar mais tempo nos Estados Unidos?
Kaká – Minha escolha foi de querer fazer parte da expansão do futebol americano. Passei em clubes de tradição, estou indo para um futebol que está crescendo e num clube que está nascendo. Queria um pouco essa novidade na minha carreira.
Estadão – Qual a sensação de voltar ovacionado pela torcida que te vaiou na sua saída em 2003?
Kaká – Minha volta foi sensacional e demonstra que não há nenhuma amargura nem da torcida nem minha, não houve rejeição de nenhuma parte.
Estadão – Nesse tempo fora, recebeu propostas de muitos clubes brasileiros? Jogaria em outro time?
Kaká – Quando as coisas caminharam para uma volta, falei para meu pai, que também é meu empresário: “Converse com eles e faça de tudo para dar certo”. Minha prioridade sempre foi voltar para o São Paulo.
Estadão – O impacto da sua volta é sentido em todos os aspectos. Você consegue enxergar isso?
Kaká – Aos poucos isso vai passando e eles me veem como um jogador do elenco. Para os mais novos eu tento passar esse senso de profissionalismo, de chegar cedo, fazer meus treinos, cumprir os horários e fazer o que preciso e mostrando vontade.
Estadão – Nota-se que você está visivelmente feliz com essa volta…
Kaká – Cara, estou muito empolgado, superfeliz. Onze anos morando fora, quando você volta e reencontra os amigos, tem uma vida social e pode encontrar pessoas que cresceram comigo, vivendo de novo essas rotinas. Está sendo demais.
Estadão – Se o Orlando liberar e depender apenas de você, fica para a Libertadores se o São Paulo se classificar?
Kaká – É algo para se pensar mais para frente. Estou muito focado nesse momento, o que vai acontecer agora, no Brasileiro.
Estadão – Ascensões meteóricas como a sua podem ser prejudiciais para um jogador jovem?
Kaká – Existem muitas situações em que você se empolga muito fácil. Tive muitos momentos assim e foram meus pais que me ajudaram a manter os pés no chão, depois que casei minha esposa também passou a me ajudar muito nesse sentido. Eles diziam “não é porque você ganhou o prêmio de melhor do mundo que você precisa se achar melhor o tempo inteiro”. Essa base é fundamental.
Estadão – E você passa essa experiência para os mais novos?
Kaká – Em geral procuro conversar, mas a conversa às vezes não surte tanto efeito quanto a demonstração prática.
Estadão – A explosão das mídias sociais deixou o jogador mais alienado?
Kaká – Quando subi para o profissional, tinha um telefone pré-pago que a patrocinadora nos deu. Hoje, o moleque da base tem o telefone, o Instagram, o Twitter e essa é a realidade e não dá para tirar isso. É preciso educar e ensinar. É uma arma, se é boa ou ruim depende de como você usará.
Estadão – Mas não falta um pouco de politização?
Kaká – Não precisamos ter opinião sobre tudo, mas um pouco precisa buscar. Mas não acho que isso seja do jogador, é um pouco do povo brasileiro. É preciso se informar, se não ficamos refém do que os outros nos falam.
Estadão – Você sofreu no Real Madrid, mas mesmo assim ficou quatro anos. Por quê?
Kaká – Os vínculos que tive na minha vida sempre foram muito longos e preservo isso. Os quatro anos que passei lá foram muito bons, até eu decidir ter um pouco mais de continuidade para ter chance de ir para a Copa.
Estadão – Acha que jogou o suficiente para ter uma chance?
Kaká – Essa escolha é muito difícil, falar se deveria ou não estar. Acho que tive uma boa temporada no Milan no número de jogos e na qualidade, mantive a continuidade.
Estadão – Ficar fora te frustrou?
Kaká – De forma alguma. Justamente por ter feito tudo o que estava ao meu alcance. Não tenho frustração nenhuma porque fiz tudo o que era possível.
Estadão – O vexame da Copa indicou que o futebol brasileiro está atrasado?
Kaká – O resultado final é exagerado, mas serve de alerta no sentido de organização e planejamento. Depois isso irá refletir na seleção, mas seleção é uma coisa e futebol brasileiro é outra; no fim elas acabam interagindo.
Estadão – Você tem ideias que poderiam ser implementadas?
Kaká – Acredito que a principal mudança seja em relação ao calendário, que é muito pesado. Se o clube não tem um plantel grande, é muito difícil que o time se mantenha. Os clubes precisam se profissionalizar, a parte técnica também, poderiam ser oferecidos cursos que os treinadores precisassem fazer para trabalhar e se reciclar.
Estadão – É possível haver essa mudança com José Maria Marin e Marco Polo Del Nero?
Kaká – Não sei como eles trabalham, não tive muita relação com eles. É difícil para mim, que estou fora, falar alguma coisa, é muito mais profundo do que se falar que tem ou não que mudar.
Estadão – Quando você falou sobre o Bom Senso, deu a impressão de não querer se envolver demais. Por quê?
Kaká – Gosto do Bom Senso, é um movimento que tem ideias interessantes. Estou voltando agora, preciso de tempo para ler o futebol brasileiro, me informar sobre o que está acontecendo para depois tomar uma posição mais firme em relação a tudo isso.
Estadão – Falta algo na sua carreira?
Kaká – Vim para o São Paulo para fazer parte desse grupo e ao mesmo tempo ajudar que esse conjunto seja um grupo muito forte. Quando for para os Estados Unidos, quero ser embaixador da Liga e ajudar o Orlando.