Estadão

Decisão iminente da Suprema Corte dos EUA deve mudar mapa de leis sobre aborto

Desde que a Suprema Corte dos EUA determinou, em 1973, que o acesso ao aborto era um direito constitucional, mais de 50 países modificaram suas leis para torná-las menos restritivas. Agora, com a possibilidade de reversão do precedente histórico, defensores de regras mais liberais temem um efeito dominó, com cada vez mais países limitando o aborto, enquanto grupos antiaborto veem a chance de inverter uma tendência de décadas.

Há expectativa de que a Suprema Corte tome uma decisão até o fim do mês ou no começo de julho sobre derrubar ou não o precedente chamado de Roe versus Wade, que tornou o aborto uma prerrogativa federal. O recente vazamento do rascunho da decisão indica alteração. Com isso, Estados ficariam livres para definir legislações mais restritivas, mas não seriam condicionados a fazê-lo. Aqueles administrados por republicanos tendem a mudar a lei, com regras que poderiam servir de modelo a países mais conservadores.

Segundo dados do Center for Reproductive Rights, que faz o levantamento das leis de aborto no mundo, há mais de 70 países que permitem o procedimento – apenas com limitações de tempo gestacional. Por outro lado, 24 países proíbem completamente, mesmo em caso de risco para a mulher.

<b>Influência</b>

Muito antes de Roe versus Wade se tornar uma discussão nos EUA, alguns países já possuíam leis que permitiam a interrupção da gravidez, a maioria deles do bloco soviético. Com a permissão da corte americana, pouco a pouco, outras leis foram se inspirando no precedente.

"Esse movimento nos EUA é muito importante, porque o país se projeta como farol mundial. Então, seu papel é crucial para divulgar no exterior essa ideia de que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres devem ser respeitados", disse Almudena Cabezas González, professora na Universidad Complutense de Madrid.

"Houve uma ampliação dessas lutas, nos anos 60 e 70, e então veio esta importante decisão dos EUA. Em seguida, em poucos anos, leis também foram aprovadas na Holanda (1984), na França (1975) e em outros países", completa González.

A Tunísia foi o primeiro país muçulmano a liberalizar o aborto, em 1964, mas apenas em certas condições, como saúde e controle populacional. Poucos meses após Roe versus Wade, o país liberou o procedimento até os 3 meses de gravidez.

<b>Restrições</b>

Em 1994, 179 países se comprometeram a prevenir abortos inseguros no âmbito da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Desde então, 15 nações reformularam suas leis para liberar quase completamente o procedimento, entre eles Espanha, África do Sul, Uruguai e Nepal. E 18 abandonaram leis que o rejeitavam sob qualquer circunstância, para abrir exceções.

A África concentra as maiores mudanças nas legislações. Embora a região ainda possua as leis mais restritivas do mundo, metade dos países que diminuíram as restrições nas últimas décadas é composta por africanos. Em seguida vêm Europa e América Latina, que vive uma chamada "onda verde" de liberalização.

Os países em desenvolvimento são responsáveis por 97% dos abortos inseguros no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). É justamente neles, especialmente na África e na América Latina, que uma mudança na lei americana terá mais impacto. Ambas as regiões vivem o processo liberalizante que EUA e Europa viveram nos anos 70 e 80.

"Quando o aborto começou a ser legalizado nos EUA e Europa, nós na América Latina estávamos passando por outros processos políticos, vivíamos sob ditaduras militares ou em guerras civis, o que tornava impossível levantar uma questão como esta", disse Cora Fernandez Anderson, professora do Mount Holyoke College, em Massachusetts.

<b>Abertura</b>

A América Latina vive seu momento mais liberal, impulsionado pelo movimento "Ni Una a Menos". A Argentina legalizou o aborto, em 2020, a Colômbia liberou o procedimento até as 24 semanas de gestação, em fevereiro, e o Chile, que tinha uma lei restritiva, inseriu a pauta em sua reforma Constitucional.

Do outro lado do Atlântico, a União Africana (UA) adotou, em 2003, o Protocolo de Maputo, que garante às mulheres maior autonomia em suas decisões. Dos 55 países-membros da UA, 49 assinaram o protocolo e 42 o ratificaram.

O impacto de uma mudança na orientação da Suprema Corte não se restringe ao aspecto jurídico. Afeta também o financiamento de grupos que lutam por leis mais liberais. "Em muitas nações africanas, as iniciativas de direitos das mulheres estão sendo sustentadas apenas graças ao financiamento do Ocidente", disse a advogada e membro do Aspen Institute, Stephanie Musho. "No Quênia, 95% da ajuda à saúde sexual e reprodutiva vem dos EUA. Portanto, os governos africanos se inspiram nas decisões tomadas em Washington."

<b>Contra</b>

Para os ativistas antiaborto, a derrubada de Roe versus Wade será uma oportunidade para expandir a luta para além da legislação em si, e modificar a cultura americana para enxergar o feto de qualquer idade como um ser humano com direitos.

"Será um trabalho diferente", disse ao jornal <i>The New York Times</i> Mallory Carroll, porta-voz da Susan B. Anthony Pro-Life America, uma das principais organizações americanas antiaborto, grupos que costumam se apresentar como "pró-vida". "Em vez de apenas lutar pelo direito de aprovar leis pró-vida, seremos realmente capazes de aprovar e proteger leis pró-vida."

"Estamos preparados para não apenas criar um cenário legal para proteger a vida nos níveis federal e estadual, mas também para apoiar uma cultura de vida", acrescentou ao jornal Kristen Waggoner, conselheira geral da Alliance Defending Freedom, que apoia a restrição feita pelo Mississippi, responsável por desencadear o estudo do caso na Suprema Corte. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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