O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabota seu projeto de reforma na governança global com declarações infelizes a respeito do Tribunal Penal Internacional. A avaliação é da diretora do programa de estudos brasileiros da Universidade de Oxford, Laura Trajber Waisbich. "O Brasil não é o único país que questiona o funcionamento do TPI, mas existem outras maneiras de contestá-lo", disse. "Fazer isso em uma entrevista soa como uma provocação e não ajuda ninguém." A seguir, trechos da entrevista de Waisbich ao <b>Estadão</b>.
<b>As declarações de Lula atrapalham o projeto multilateral brasileiro?</b>
Elas têm uma consequência e uma repercussão problemática. A consequência começa no nível discursivo, porque historicamente o próprio presidente trabalha com uma ideia de fortalecimento do multilateralismo. É justamente isso que levou à construção do Brics e à aspiração brasileira pela reforma do Conselho de Segurança da ONU. Essa vontade é central na política externa brasileira. Lula é o grande expoente dessa ideia. Então, há um conflito entre o discurso de reforma e uma menção infeliz de desrespeito ao TPI. É infeliz porque ele sabota a própria construção feita por ele mesmo e pelo seu governo de reforma do multilateralismo. Isso não significa que o Brasil não possa debater a seletividade do TPI e em que medida ele falha, como falhou por exemplo no julgamento de autoridades americanas na guerra contra o terrorismo.
<b>Como isso afeta a diplomacia brasileira?</b>
Lula continuará sendo o maior diplomata do Brasil. A diplomacia presidencial é característica do seu governo. Muitas vezes, ele dá uma declaração e depois revê o que falou. Já aconteceu em relação à guerra na Ucrânia e continuará acontecendo, porque faz parte de sua personalidade. No longo prazo, isso pode tirar a credibilidade dele em alguns assuntos, principalmente em uma possível mediação da guerra na Ucrânia, porque o Brasil ainda não acertou o discurso sobre o tema. Se Lula quer se colocar como mediador, precisa jogar com as regras do multilateralismo. Essa é uma atividade de governança global e multilateral. Então, não faz sentido ele dizer que não respeita o que foi determinado pelo TPI. O Brasil não é o único país que questiona o funcionamento do órgão, mas existem outras maneiras de contestá-lo. Fazer isso em uma entrevista soa como uma provocação e não ajuda ninguém.
<b>É possível que Putin venha ao Brasil para o G-20?</b>
Putin já teve duas oportunidades de viajar para países do Brics, que são teoricamente os que não têm um discurso frontal contra a Rússia. Ele não foi à Índia, nem à África do Sul. O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, pediu que ele não comparecesse à reunião do Brics. Não seria bom para o Brasil que ele viesse para a cúpula do G-20. A diplomacia brasileira deve tentar convencer os russos de que é melhor que Putin não venha, para não colocar o Brasil em uma situação complicada.
<b>Quais são os desafios da diplomacia brasileira?</b>
Afinar as críticas e torná-las produtivas. O papel histórico do Brasil é de alavancar uma reforma da governança global. É necessário que os atores inconformados protestem contra o atual sistema. Uma figura como a de Lula tem força política para fazer uma crítica mais contundente. Ele tem visibilidade e capacidade de articulação. O que falta é afinar o discurso. Frases de efeito e declarações não pensadas prejudicam a construção da cúpula do G-20. Lula precisa fazer críticas concisas e embasadas, e não declarações simples que podem minar a credibilidade do governo brasileiro.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>