Deixa o cara governar, pô!, afirma Mourão

O vice-presidente Hamilton Mourão é um leitor voraz. Aos 67 anos, recuperado de covid-19, o general está lendo nove livros, entre eles Capitalismo na América, de Alan Greenspan e Adrian Wooldridge, que conta a história dos Estados Unidos. Mas não acha que o presidente Jair Bolsonaro terá o mesmo destino de Donald Trump, que, a poucos dias de deixar a Casa Branca, viu um segundo impeachment aprovado pela Câmara.

"Não vejo hoje que haja condição de prosperar qualquer pedido de impeachment contra o presidente Bolsonaro", disse ele ao <b>Estadão</b>. "Aqui no Brasil qualquer coisa é impeachment, né? Deixa o cara governar, pô!"

Apesar do colapso no sistema de saúde em Manaus e do atraso na vacinação, Mourão avaliou que a condução da crise "talvez" tenha pecado por falta de comunicação e criticou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que, para ele, acabou "metendo os pés pelas mãos" no caso da Coronavac.

Filiado ao PRTB, o general defendeu a aliança do Planalto com partidos carimbados por Bolsonaro como "velha política", na campanha de 2018. "Não tem como fugir do Centrão."

<b>Como enfrentar a tragédia de Manaus, onde pacientes estão morrendo sem oxigênio?</b>

Todo mundo dá pitaco sobre Amazônia sem nunca ter pisado lá. Existem distâncias envolvidas enormes e uma desconexão com a área central do Brasil. Você só chega a Manaus de barco ou avião. Aí quando se fala em asfaltar a BR-319, porque é a única ligação terrestre de Manaus com o resto do País, (dizem) Oh, céus, será a destruição da floresta. Mas esquecem os milhões de pessoas que moram lá. Não tem UTI no interior do Amazonas.

<b>O sr. já teve covid. Após a doença, em algum momento considerou que o governo possa ter errado na condução da pandemia?</b>

O governo procurou trabalhar nas três grandes curvas: da saúde, da economia e a social. Fomos muito criticados, mas o tratamento precoce impede que a pessoa adquira sintomas mais graves e vá para o hospital. Talvez (pudesse ter tido) uma comunicação mais eficiente.

<b>O governador João Doria tem feito fortes críticas ao presidente e há uma corrida para ver quem vacina primeiro. O combate à pandemia virou propaganda para a eleição de 2022?</b>

O governador Doria virou garoto-propaganda da vacina e acabou metendo os pés pelas mãos. Apareceu na TV para dizer que a vacina tinha um valor x de eficácia, quando não era verdade. Em nenhum momento ele compareceu para se retratar. Isso não revela boa gestão.

<b>A relação entre o sr. e o presidente tem altos e baixos. Ele disse que não o quer mais na chapa, se disputar a reeleição?</b>

Em nenhum momento ele abordou comigo esse assunto.

<b>Qual é o seu plano político? Pretende concorrer ao Senado?</b>

O plano é ir para casa. Por enquanto, não tem essa história de Senado.

<b>O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, articula um bloco de partidos para tentar derrotar o presidente. Quem será o maior adversário do governo?</b>

Hoje eu não vejo adversário para o presidente Bolsonaro. O que é mais destacado como concorrente é o governador Doria, mas eu julgo que o presidente continua vencendo. Talvez o pior opositor para nós mesmos seja não conseguir realizar o que temos de realizar.

<b>E Luciano Huck?</b>

Acho que Luciano Huck é fogo de palha. Na hora H, sai fora.

<b>Que projetos precisam ser aprovados pelo Congresso para ajudar a economia?</b>

A PEC emergencial (proposta de emenda à Constituição para ajustar as contas públicas) tem de sair. Também é preciso levar adiante a reforma tributária. Acho que o Congresso será sensível a isso.

<b>Há mais de 50 pedidos de impeachment de Bolsonaro na Câmara. O sr. não teme que, diante dessa crise, o presidente sofra o mesmo processo que Donald Trump sofreu nos EUA?</b>

Não vejo hoje que haja condição de prosperar qualquer pedido de impeachment contra o presidente Bolsonaro, o mais atacado, nos últimos anos. Quantos pedidos de impeachment o Sarney, o Fernando Henrique, o Lula tiveram? Só a Dilma, coitada, é que não conseguiu sobreviver. E o Collor, obviamente. Aqui no Brasil qualquer coisa é impeachment, né? Deixa o cara governar, pô!

<b>A aproximação cada vez maior do Planalto com o Centrão não contradiz o discurso de campanha, que era de combate à velha política e ao toma lá, dá cá?</b>

Não vejo dessa forma. No começo, o governo buscou o relacionamento com o Congresso na base das bancadas temáticas. Mas as frentes parlamentares votam junto apenas para assuntos específicos. Aí chegou-se à conclusão de que era necessário reunir um grupo de partidos que apoiassem as pautas principais do governo. E qualquer reunião de grupos de partido, no Congresso que temos hoje, passa pelo Centrão. Não tem como fugir do Centrão.

<b>O presidente declarou apoio a Arthur Lira, líder do Centrão, para presidir a Câmara. Isso não é prejudicial, já que, se Lira perder, a derrota será do governo e quem ganhar poderá virar adversário no Congresso?</b>

O presidente sempre diz que melhor que se omitir é tomar uma decisão. Ele tomou a decisão de apoiar o deputado Arthur Lira. Por outro lado, não vejo que o candidato Baleia Rossi seria prejudicial ao governo. É um parlamentar equilibrado, de centro, que tem visão correta dos problemas nacionais.

<b>No Senado as relações com o governo não estão tão tensas quanto na Câmara, não é?</b>

No Senado temos Rodrigo Pacheco versus Simone (Tebet). Os dois são de centro. É uma eleição muito tranquila. A Câmara é mais complicada pelo elevado número de parlamentares. Há grande fragmentação.

<b>Mas também há o embate entre o presidente e Maia…</b>

O deputado Rodrigo Maia ataca muito frontalmente o presidente, inclusive com palavras fora do tom, chamando-o de covarde, mentiroso.

<b>Depois que Trump foi banido das redes sociais, Bolsonaro e ministros migraram para o Telegram. O sr. também aderiu?</b>

Eu não dou bola para isso, não. Até porque olho para aquele troço (WhatsApp) todo dia e, em qualquer momento que pego meu celular, está com 999 mensagens. Paradas (risos). Agora, o silenciamento que foi feito do presidente Trump, para mim, é incoerente.

<b>Com a posse de Joe Biden nos Estados Unidos, a política externa vai mudar?</b>

Bismarck, no século 19, dizia que, quando existem cinco potências dominantes, é importante que você esteja alinhado com três. Hoje, há duas potências dominantes (EUA e China), que estão se digladiando. Então, nós temos que saber nos posicionar, com pragmatismo. Não é uma questão de ligação pessoal. Não podemos entrar em brigas de varejo. As brigas têm de ser no atacado.

<b>O sr. comanda o Conselho da Amazônia e respondeu em francês ao presidente Emmanuel Macron, para quem comprar soja brasileira significa apoiar o desmatamento. Por que ele faz essas críticas?</b>

Ele está com a popularidade baixa e precisa se reerguer. Aí ele fala duas coisas que são inverídicas, maledicências, querendo colocar que comprar soja do Brasil é cooperar com o desmatamento, quando, na realidade, só 0,4% da nossa produção de soja vem da Amazônia. E depois dizer que a França vai produzir soja? É meio difícil. Ele vai derrubar os vinhedos? Vai derrubar beterraba?

<b>Como reverter o desgaste internacional sobre a Amazônia?</b>

A Operação Verde Brasil 2 permitiu redução no desmatamento, ao longo do ano passado. Também houve redução no número de queimadas. No próximo dia 27 eu tenho uma live com o pessoal do World Economic Forum. E no dia 29 eu faço nova reunião virtual com aqueles investidores que haviam feito uma carta sobre os problemas da Amazônia.

<b>O Brasil está quebrado, como disse o presidente?</b>

Não. Isso é uma figura de retórica. O governo tem dificuldades. Mas o Brasil não está quebrado. O Brasil é muito grande para quebrar.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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