Em acordo de delação premiada assinado com a Procuradoria-Geral da República, o ex-executivo da Hypermarcas Nelson Mello afirmou ter repassado propina de R$ 3 milhões que tinha como destinatário final o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O objetivo seria alterar regra da Medida Provisória 627, de 2013. O valor, segundo Mello, foi pago ao corretor Lúcio Funaro, preso na sexta-feira pela Polícia Federal e apontado como o operador do peemedebista em esquemas de corrupção.
Como o jornal O Estado de S. Paulo revelou, Mello detalhou em depoimentos o repasse de cerca de R$ 30 milhões a Funaro e também ao lobista Milton Lyra. No caso de Lyra, os valores teriam como destino os senadores peemedebistas Romero Jucá (RR), Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros (AL) e Eunício Oliveira (CE). Por sua vez, Funaro seria o intermediário de Cunha na distribuição deste montante.
O colaborador relatou que acompanhava em 2014 a tramitação da MP 627, que tratava da tributação de lucros obtidos por multinacionais brasileiras no exterior. A norma, segundo Mello, era de interesse da Hypermarcas, que vinha sofrendo autuações do Fisco e pretendia alterar um dos artigos.
A Operação Zelotes apura a suspeita de corrupção em alteração feita na mesma MP para favorecer montadoras de veículos com benefícios fiscais.
O delator disse aos investigadores ter perguntado a Funaro se seria possível “fazer a MP andar”. O operador reagiu questionando se ele estaria disposto a pagar R$ 3 milhões para conseguir “apoio político”.
O interesse da Hypermarcas, conforme Mello, era em emendas que tratavam do arrolamento de bens de contribuintes para pagar débitos com o Fisco, em especial uma apresentada pelo deputado Gerônimo Goergen (PP-RS).
A MP passou pelo crivo da Câmara e do Senado, sendo convertida na Lei 12.973, de maio de 2014. Contudo, disse o delator, a mudança pleiteada não foi feita conforme a vontade da empresa.
O texto final da legislação não inclui a sugestão do deputado. O delator afirmou à PGR que diante disso, ao ser cobrado por Funaro, alegou que não tinha o dever de pagar a propina. Foi quando Cunha interveio, segundo seu relato: “Educadamente, (Cunha) disse que, se resolvesse o problema com Funaro, veria em que poderia ajudar”.
Mello disse que posteriormente viu na imprensa que o deputado seria o provável presidente da Câmara e resolveu pagar o valor. Para dar fachada legal ao repasse, afirmou, foram feitos dois contratos fictícios de prestação de serviços entre subsidiárias da Hypermarcas e uma empresa indicada por Funaro.
Cunha já é investigado perante o Supremo Tribunal Federal por, supostamente, aprovar MPs para favorecer aliados. Além de líder do PMDB em 2013 e 2014, o deputado afastado foi o relator da MP 627 na Câmara. Como revelou o jornal em outubro do ano passado, coube a ele incluir no texto a regra que beneficiou as montadoras de veículos.
Mello afirmou ainda na delação que foi procurado por um sobrinho de Eunício, então candidato a governador do Ceará. Segundo ele, o sobrinho do senador peemedebista pediu ajuda financeira para campanha do congressista, no valor de R$ 5 milhões.
Os pagamentos foram viabilizados por meio de contratos fictícios com empresas prestadores de serviço da campanha do peemedebista e com a Confederal Prestadora de Serviços de Vigilância e Transporte de Valores, da qual Eunício é sócio.
Defesas
Cunha afirmou não ter tratado de interesse da Hypermarcas na MP. “Desminto qualquer recebimento (de propina) e também qualquer discussão sobre assunto Hypermarcas. Desafio a provarem”, disse.
A Hypermarcas alega que, após a saída do ex-executivo, a companhia “contratou assessores externos renomados para conduzirem uma auditoria, já finalizada”, e que concluiu que Mello “autorizou, por iniciativa própria, despesas sem as devidas comprovações das prestações de serviços”. “A companhia ressalta que não é alvo de nenhum procedimento investigativo e que não se beneficiou de quaisquer dos atos praticados pelo ex-executivo”, afirmou a empresa.
O advogado de Funaro, Daniel Gerber, disse que nunca houve contato “íntimo entre Funaro e Mello que justificasse esse tipo de relação espúria”, tampouco contrato entre as empresas de seu cliente com a Hypermarcas.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Lyra negou que, “em qualquer circunstância, tenha se apresentado ou agido em nome de qualquer parlamentar”.
O senador Romero Jucá, por meio de seu advogado, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, informou manter uma relação amistosa com Lyra, mas que ele nunca atuou como seu intermediário em qualquer assunto. Também por meio de Kakay, que também conduz sua defesa, Eunício disse que não conhece Lyra e que não houve pagamento de contas de sua campanha. “Não tem nenhuma irregularidade, não podemos criminalizar as relações entre as empresas.”
Eduardo Braga afirmou não conhecer ou manter qualquer tipo de relação com Funaro e Lyra. O senador alegou ainda nunca ter recebido valores da Hypermarcas ou de seu ex-diretor, Mello. Em nota, Renan reiterou nunca ter recebido “vantagens de quem quer que seja”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.