Como um portal no tempo, o grande jardim do Teatro João Caetano transporta Denise Weinberg para seu passado antes dos palcos. A antes bióloga e ainda apaixonada por neurociência conta que um dia teve de deixar essa vida “profana” ao descobrir o ofício da arte. “Eu disse sim, mas foi por escolha dos deuses.”
Essa é a única frase mais idealista da atriz que volta em cartaz com dois de seus espetáculo mais recentes, o solo O Testamento de Maria e Imortais.
O forte sotaque da carioca que vive há muitos anos em São Paulo se mistura com a confiança de alguém que construiu a carreira estudando. Foi assim que nasceu o Tapa, grupo do qual fez parte por cerca de 20 anos, ao lado de Eduardo Tolentino. “Estudar sempre fez parte da criação. Desde a dramaturgia, e os nomes que influenciaram o palco. Isso me deu muito rigor”, conta a atriz que chegou a lecionar na Escola Livre de Teatro, em Santo André. Hábito este que a atriz diz faltar a muitos artistas desta geração. “Em São Paulo, o teatro piorou muito e por falta de treino. Não há espaços para errar. Eles querem começar acertando. Na arte, você joga muita coisa fora. E não pode jogar, se não tem.”
Ainda sobre a cena paulistana, conhecida por puxar a produção teatral no País, Denise avalia que as curtas temporadas, tão comuns fora da capital, além de inflar a programação por aqui não são capazes da fortalecer o trabalho, muito menos uma carreira. “Cinco semanas em cartaz pra quê? Isso força o teatro a ficar inventando. É cruel e perverso”, continua. “A minha profissão acabou virando hobby. Quem trabalha de sexta a domingo? A mim não interessa ficar pulando de galho em galho.”
Mais um motivo para que a atriz continue apresentando suas últimas peças, O Testamento de Maria estreou em 2016. É versão da obra de Colm Tóibín para o palco, com direção de Ron Daniels e narra um relato íntimo da icônica mãe de Jesus. Já Imortais, texto do dramaturgo Newton Moreno, entrou em cartaz há dois anos para discutir o choque entre tradição e sexualidade, expresso na relação de uma mãe conservadora e sua filha, transexual. “Maria tem a revolta, por ter um filho que anda com gentalha e a mãe da peça de Newton é fruto desse tempo, de pessoas ignorantes e inflexíveis. Mas é possível dizer que elas se transformam, ao demonstrar que carregam consigo uma sabedoria rústica, iletrada.”
Mas foi no papel de uma filha que a atriz ficou mais conhecida no mundo após ser indicada em 2018 para o Emmy Internacional, pela série Psi. Denise viveu uma paciente acumuladora que precisava lidar com a morte da mãe. “Participei de apenas dois episódios. Nem foi a série inteira”, comemora.
Nas telonas, os projetos são mais abundantes, conta. Autointitulada “rainha do baixo orçamento”, Denise tem muitas estreias para os próximos anos. Nesse ano, ela emplacou o drama LGBT Greta, ao lado de Nanini, no Festival de Berlim. Seu papel no filme de Armando Praça é o de uma transexual que está doente em estado terminal. No hospital lotado, o enfermeiro vivido por Nanini precisa arrumar um jeito de internar a amiga. No filme, o diretor inverteu a ordem e escalou a atriz trans Gretta Star para viver uma mulher comum. “Esse é o desafio da profissão de ser atriz, interpretar diferentes vidas.”
O TESTAMENTO DE MARIA
Teatro João Caetano. Rua Borges Lagoa, 650. Tel.: 5573-3774. 28/2, 1º/3, 9/3, 21h; 10/3, 19h
IMORTAIS
2/3, 7/3, 8/3, 21h. Dia 3/3, 19h. R$ 20
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.