Como parte da espiral de ações policiais e suspeitas que atingem Jair Bolsonaro (PL) desde o início do mês, o hacker Walter Delgatti Neto acusou nesta quinta-feira, 17, o ex-presidente de lhe oferecer um indulto para que violasse medidas cautelares da Justiça e invadisse o sistema das urnas eletrônicas. Falando à Comissão Parlamentar Mista (CPMI) do 8 de Janeiro, "Vermelho" – como é conhecido – também afirmou que, numa conversa com Bolsonaro, ele teria dito que obteve um grampo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Segundo o relato de Delgatti, o ex-presidente queria que ele assumisse a autoria do crime.
A Polícia Federal intimou o hacker a prestar novo depoimento hoje, mas a defesa deve orientá-lo a ficar calado.
A defesa de Bolsonaro informou que vai entrar com uma queixa-crime contra o hacker por "informações e alegações falsas, totalmente desprovidas de qualquer tipo de prova". Ao longo de 8 horas de depoimento, Delgatti não apresentou documentos ou qualquer material que comprovasse as acusações.
Mas após as falas contundentes do hacker na CPMI, o advogado Fabio Wajngarten, que representa Bolsonaro, confirmou a ida de Delgatti ao Palácio da Alvorada às vésperas da campanha eleitoral do ano passado. E alegou que o então presidente, "na presença de testemunhas", determinou ao Ministério da Defesa "a apuração das alegações acerca de suposta vulnerabilidade no sistema eleitoral".
A informação confirmou parte do depoimento prestado por Delgatti à PF em junho – que levou à deflagração da Operação 3FA. Na ocasião, o hacker narrou ter se encontrado com Bolsonaro no Alvorada e que o então presidente teria perguntado se, "munido do código-fonte, conseguiria invadir a urna eletrônica". Delgatti, que está preso preventivamente, disse ter sido pago pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) para a investida – que não teve sucesso.
O mês de agosto tem sido marcado por um acúmulo de desdobramentos de investigações que implicam Bolsonaro, aliados e antigos auxiliares. A ação policial que levou à prisão de Delgatti e ao cumprimento de mandados de busca contra Zambelli foi deflagrada no dia 2 – 32 dias depois de o Tribunal superior Eleitoral declarar o ex-presidente inelegível por oito anos.
No dia 11, a Operação Lucas 12:2, também da PF, apontou que assessores venderam nos Estados Unidos bens que Bolsonaro recebeu de presente de países estrangeiros, e que deveriam compor o patrimônio da União. Em consequência, a PF pediu a quebra de seu sigilo bancário e, no dia seguinte, estendeu a solicitação à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
<b>Cid</b>
Nesta quinta, 17, o site da revista <i>Veja</i> publicou reportagem na qual afirma que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, decidiu confessar que vendeu as joias recebidas em agenda oficial, transferiu o dinheiro para o Brasil e entregou os valores em espécie para o ex-chefe do Executivo federal. Segundo a revista, a informação foi confirmada pelo advogado criminalista Cezar Bitencourt.
Durante a semana, o advogado, que acabou de assumir a causa, já havia dado sinalizações nesse sentido e indicado que a fidelidade de alguns ex-auxiliares de Bolsonaro está na corda bamba. Bittencourt havia trazido à tona a tese da obediência devida. Ou seja, um militar não deve ser punido se cumpre ordens, ainda que sejam "ilegais e injustas", conforme afirmou.
Entre os que se mantêm fiéis está o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef. Mas ele também se complicou e teve de mudar versões. No dia 14, ele afirmou que nunca teve posse de nenhum bem dentre os citados na investigação sobre venda de joias no exterior. No dia seguinte, depois que ficou claro que havia um recibo de compra em seu nome, ele admitiu que foi aos Estados Unidos e recomprou o relógio Rolex vendido por Mauro Cid a uma empresa especializada no estado americano da Pensilvânia. Na noite de anteontem, ele teve quatro celulares apreendidos em uma abordagem da PF, em um restaurante no bairro paulistano do Morumbi.
<b>Depoimento</b>
Segundo Walter Delgatti, o encontro em que Jair Bolsonaro lhe ofereceu um indulto para que violasse medidas cautelares da Justiça e invadisse o sistema das urnas eletrônicas para expor supostas vulnerabilidades contou com a participação da deputada Zambelli, de Mauro Cid e do coronel Marcelo Câmara. "Ele havia concedido indulto ao deputado (Daniel Silveira) e, como eu estava investigado pela (operação) Spoofing, impedido de acessar a internet e trabalhar, eu estava visando esse indulto, que foi oferecido no dia", disse Delgatti à relatora Eliziane Gama (PSD-MA). "Fique tranquilo, se algum juiz te prender, eu mando prender o juiz", teria dito Bolsonaro, de acordo com a versão apresentada por Delgatti. O hacker ainda disse que o ex-presidente riu ao fazer a afirmação.
Em outra ocasião, Zambelli teria mediado uma ligação de Delgatti com Bolsonaro. Na conversa, o ex-presidente teria dito que obteve um grampo do ministro Alexandre de Moraes, mas que o hacker precisaria assumir a autoria do crime. "Nesse grampo teriam conversas comprometedoras do ministro e ele (Bolsonaro) precisava que eu assumisse esse grampo", disse Delgatti. A relatora Eliziane afirmou que os elementos apresentados por Delgatti dão "fortes condições" de pedir o indiciamento do ex-presidente Bolsonaro. Ela ainda argumentou sobre a necessidade de realizar acareações do hacker com Zambelli, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e, eventualmente, o próprio Bolsonaro.
De acordo com o hacker, Bolsonaro ordenou que o coronel Campos o levasse ao Ministério da Defesa para discutir suas propostas. "Isso é uma ordem minha", teria dito Bolsonaro após Câmara declarar que era "complicado" tratar esse assunto com a Defesa. Delgatti disse ter ido ao menos cinco vezes à pasta, onde conversou com o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>