"Às vezes eu fico pensando: o que eu estou fazendo com a minha filha ?", a dúvida bate muitas vezes na mente da confeiteira Cleonice. Principalmente quando ela sai de casa todos os dias às 4h30, acompanhada da pequena Sophia, de 10 anos, para uma maratona pela cidade de São Paulo que se inicia no bairro do Itaim Paulista. Daí ela passa por ônibus, metrô e caminhadas até chegar ao Centro Olímpico do Ibirapuera. A menina é uma das mais bem acabadas promessas de que a ginástica feminina do Brasil vai continuar encantando o mundo com suas "Daianes dos Santos" e "Rebecas Andrade".
"Eu vou chegar a uma Olimpíada", garante Sophia, que acabou de conquistar o segundo lugar no Campeonato Brasileiro Infantil (sub-11) no último fim de semana, na Arena de Esportes da Bahia, em Lauro de Freitas. Ela brilhou nas barras assimétricas, onde ganhou o ouro, ficou com o bronze no salto e cometeu alguns deslizes no solo e na trave. A campeã geral foi outra atleta, também forte promessa da ginástica nacional: sua xará Sofia Cruz, do Flamengo.
"Ela chegou da Bahia superfeliz e admitiu alguns erros na competição, mas conseguiu o que mais queria, que era a vaga para disputar o Campeonato Sul-americano", conta a entusiasmada mamãe da pequena Sophia, orgulhosa, com mais um troféu trazido pela pequena "Mini Sophi" – que é como a filha é conhecida nos bastidores da ginástica.
A evolução nos saltos e no solo é prevista pela técnica Beatriz Fragoso desde o início de sua carreira, quando disse à Cleonice que ela tinha um tesouro em casa: "E nós vamos lapidá-la", garantiu a treinadora, quando a mãe a levou para os primeiros testes anos atrás.
Atletas de origem negra se destacam na ginástica não só pelo talento e coordenação para a prática da modalidade, mas também pela explosão e potência muscular. Mas se a sua filha caçula gosta tanto do esporte, tem talento e a genética a seu lado, porque Cleonice se questiona muitas vezes sobre o certo ou o errado de deixar uma criança se submeter a uma rigidez de treinos tão grande?
"As conduções, as caminhadas, o cansaço, a alimentação nos intervalos da ida e volta aos treinos, o sono… Penso em tudo isso", responde Cleonice, que prepara os lanches muitas vezes servidos entre uma espera e outra pela condução. Lanches e refeições estudadas com carinho pela Tamires, irmã mais velha que já cursa a faculdade de Nutrição.
Mas não é só isso, tem ainda um fator saboroso nessa história: confeiteira de mão cheia, Cleonice só permite que a filha coma um cone de chocolate trufado por semana. "Ela se contém, mas eu me cobro muito, embora saiba que para praticar o esporte com nível, a filha tem de manter a dieta!".
Algumas vezes a atleta sai da linha, como neste último domingo, quando chegou de Salvador com fome. "Não teve jeito: ela comeu o baião de dois que eu tinha preparado para o dia dos Pais e depois comeu um pavê de chocolate e foi dormir!" Descanso merecido, aliás, pois nesta quarta-feira, ela retorna aos treinos e à escola.
Nos treinos desde os seis anos de idade, Sophia realiza seus movimentos no Centro Olímpico. Sua técnica Beatriz também foi ginasta e hoje integra a equipe do Pinheiros e também é da comissão técnica do Brasil. "Como é diferenciada, desde o início foi preparada com olhar olímpico", comentou no ano passado, a treinadora da pequena joia esportiva, logo após a conquista do Campeonato Paulista pré-infantil. "Essa garota tem o talento físico e mental para a ginástica".
Na equipe do Centro Olímpico, Sophia está hoje sob o comando direto da técnica Raffaela Garcia, que foi ginasta por 11 anos. Raffa esteve à frente da equipe na Bahia e voltou contente com o vice-campeonato geral de sua turma. "A Sophia é um supertalento. É muito focada, muito determinada e tem facilidade para aprender novos movimentos. Ela é muito rápida e esperamos que chegue longe", planeja a treinadora, que espera mais sucesso de sua pequena atleta já no Sul-americano do Equador, no mês de novembro.
O pai de Sophia é o gráfico Carlos, um torcedor fanático da filha. Ele e Cleonice não tiveram como acompanhar a Sophia no torneio da Bahia, mas aqui nas competições de São Paulo, sempre estão presentes, incentivando e filmando como na semana passada quando ela ganhou o campeonato paulista, em São Bernardo do Campo. "Desde os 4 anos, quando viu a Rebeca Andrade competindo, minha filha disse que queria ser ginasta. E nós damos todo o apoio", comentou o papai. A família acredita que a pequena vai chegar longe.
Quem sabe em 2028 ela possa estar competindo no altíssimo nível dos Jogos que serão realizados em Los Angeles. Até lá, dúvidas na cabeça da mamãe, muita condução até o ginásio do Centro Olímpico na região do Ibirapuera, e só um cone de chocolate trufado para que o peso seja mantido. Será que o sacrifício vale a pena? Sophia, que vai completar 11 anos no próximo dia 3, diz que sim. A mamãe ainda carrega suas dúvidas.