Não há evidências "convincentes" de que a depressão esteja associada a baixas concentrações ou atividade de serotonina, sugeriu um estudo britânico publicado na revista científica <i>Molecular Psychiatry</i>, na última quarta-feira, 20. Cientistas envolvidos na revisão avaliam que teoria do desequilíbrio químico influencia decisão de pacientes sobre tomar e continuar usando medicamentos antidepressivos, além de encorajarem mais estudos em relação aos efeitos dessas drogas nos sistemas neuroquímicos. Eles advertem que ninguém deve cessar tratamento sem orientação médica.
"A popularidade da teoria do desequilíbrio químico da depressão coincidiu com um enorme aumento no uso de antidepressivos", destacou a pesquisadora-chefe Joanna Moncrieff, ao site da University College London (UCL), de onde é professora. "Muitas pessoas tomam antidepressivos porque foram levadas a acreditar que sua depressão tem uma causa bioquímica, mas esta nova pesquisa sugere que essa crença não é baseada em evidências", continuou ela, que também é consultora do serviço britânico de saúde (NHS, em inglês).
Coautor da análise, Mark Horowitz citou que a pesquisa também jogou luz sobre a influência de fatores externos na condição. "Um aspecto interessante nos estudos que examinamos foi o quão forte um efeito de eventos adversos da vida teve na depressão, sugerindo que o humor deprimido é uma resposta à vida das pessoas e não pode ser resumido a uma simples equação química", declarou, ao site da universidade.
Conforme o estudo, a teoria serotoninérgica foi sugerida pela primeira vez na década de 60 e amplamente divulgada na de 90, junto ao advento dos medicamentos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Como o próprio nome já diz, a droga inibe a ação da proteína transportadora do neurotransmissor e possibilita aumento das concentrações dele na fenda sináptica.
Desde o começo da pandemia, as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor crescem no País, de acordo com levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Entre 2019 e 2020, o aumento foi de 17%. Os primeiros cinco meses de 2021, em comparação com os do ano anterior, tiveram comércio 13% maior. Mais de 42,9 milhões de unidades foram vendidas entre janeiro e maio do ano passado.
Os cientistas britânicos resolveram, então, fazer uma revisão do tipo "guarda-chuva" de estudos dos campos de pesquisa sobre a relação entre serotonina e depressão. As metanálises e revisões sistemáticas focavam, por exemplo, na ação de receptores e transportadores do neurotransmissor. Algumas das pesquisas envolviam dezenas de milhares de pacientes.
A conclusão foi de que os estudos com evidências consideradas moderadas ou altas não davam suporte à teoria do desequilíbrio químico. Já aquelas que indicavam relação do neurotransmissor à doença, tinham dados de certeza baixa.
Embora a análise não tenha focado no efeito dos remédios antidepressivos e os pesquisadores não indiquem interromper o uso deles sem recomendação médica, pedem mais estudo sobre o efeito dessas drogas e também sobre tratamentos que visem ao gerenciamento de situações estressantes ou traumáticos na vida das pessoas, como a psicoterapia. Além disso, ponderam que pacientes não devem mais ser informados de que a depressão seja causada por baixos níveis de serotonina.
"Milhares de pessoas sofrem com os efeitos colaterais dos antidepressivos, incluindo os graves efeitos de abstinência que podem ocorrer quando as pessoas tentam largá-los, mas as taxas de prescrição continuam aumentando", afirmou Moncrieff, ao portal da universidade londrina. "Acreditamos que essa situação tenha sido impulsionada em parte pela falsa crença de que a depressão se deve a um desequilíbrio químico. Já é hora de informar ao público que essa crença não é fundamentada na ciência".