A Casa que Jack Construiu, novo filme de Lars von Trier, é a história de um serial killer, interpretado por Matt Dillon. Jack mata, de preferência mulheres, e faz parte do clã dos assassinos intelectuais, que falam da História da Arte com a segurança de professores universitários.
O próprio filme é cheio de referências culturais, como a recorrente cena documental do pianista canadense Glenn Gould interpretando uma peça de Bach. Gould, todos sabem, gostava de entoar as vozes da melodia enquanto as executava ao piano. Tornou-se o próprio ícone da perfeição em matéria de arte, em especial por sua leitura das Variações Goldberg, de Johann Sebastian Bach.
Bem, as imagens repetidas de Gould indicam que Jack busca nada menos que a perfeição. É assim com a tal casa que constrói e que dá título ao filme. Num lugar afastado, à beira de um lago, ele compra um terreno, desenha diversas plantas e começa a construção. Interrompe a obra várias vezes e manda demolir o que já havia sido feito porque não se dá por satisfeito. É uma imagem. A construção do mundo perfeito sempre falha. E quem não suporta a imperfeição sofre muito.
Jack define-se como um assassino com TOC. Obsessivo. Maníaco com limpeza e com a sutileza da morte que inflige às suas vítimas. Estas são mostradas, uma após a outra, com todos os detalhes e com o tempo necessário para que sejam “fruídas”. Pois esta é a impressão que fica: a de que o assassino sente intenso prazer em aterrorizar, depois liquidar as vítimas e, claro, partilhar esse gozo com o espectador através de uma suposta cumplicidade sádica.
O impulso da provocação às vezes parece prejudicar a arte de von Trier e levá-lo por caminhos sem saída, tanto do ponto de vista estético como ético. Sua tentativa de compreensão da presença do Mal no mundo às vezes resvala para uma complacência com o próprio Mal. Talvez revele mesmo, no fundo, admiração pelo Mal. Essa tentação fáustica mal sublimada pode ser um limite para o artista dinamarquês, como já foi para outros.