Pesquisa realizada pelo irlandês Marc Morgan, estudante da Escola de Economia de Paris e orientando do renomado economista francês Thomas Piketty, autor de O Capital do Século 21, mostrou que a desigualdade no Brasil é maior do que aquela apontada pelo IBGE, com dados recolhidos pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad).
Segundo a Pnad de fevereiro de 2016, a concentração de renda dos 10% mais ricos do Brasil teria caído de 45,3% em 2005 para 40,5%, enquanto que a renda dos 50% mais pobres teria subido de 14% para 18%, e a da classe média, de 40% para cerca de 41%.
Mas, de acordo com a pesquisa de Morgan, publicada em agosto, entre 2001 e 2015 os 10% mais ricos aumentaram sua concentração de renda de 54% para 55%, os 50% mais pobres foram de 11% para 12% e os 40% da camada mediana foram de 34% para 32%. A diferença de resultados se explica pela metodologia.
Para chegar nesses resultados Morgan utilizou, além dos dados do IBGE, informações das declarações de Imposto de Renda dos brasileiros, dado que não é contemplado pelo Pnad. “Ele parte do pressuposto que os mais ricos têm outras fontes de renda, como juros de investimentos e aluguéis, e muitas vezes não mencionam isso em pesquisas como o Pnad”, diz Maurício de Almeida Prado, mestre em antropologia e diretor executivo da Plano CDE, empresa de pesquisa de comportamento entre as classes CDE.
Para Almeida Prado, o resultado mais preocupante da pesquisa francesa é que, além de a desigualdade ser maior do que se pensava, ela não vem diminuindo nos últimos 15 anos. Para efeito de comparação, países desenvolvidos como Estados Unidos e França têm uma concentração de renda entre 20 a 30% entre os mais ricos.
Marcelo Medeiros, sociólogo, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), diz que a pesquisa de Morgan chama a atenção para a importância do peso que os ganhos de capital tem sobre a desigualdade. A Pnad foi desenvolvida para avaliar renda e previdência com origem no trabalho, e não para medir também rendimentos de aplicações financeiras.
“Não devemos esperar resultados para os quais a Pnad, que é excelente, não foi desenvolvida. Mas também não podemos ignorar ela deixa de medir alguns fatores que ajudam a promover a desigualdade”, diz Medeiros, que já realizou estudos com metodologia semelhante à usada pelo irlandês, incluindo dados do Imposto de Renda, e que já haviam chegado a conclusões parecidas. “Mas Morgan usou mais informações”, afirma o pesquisador brasileiro. Ainda segundo Medeiros, os resultados da pesquisa francesa mostram que a desigualdade é muito mais determinada pela diferença entre os ricos e o restante da população do que entre os pobres e o resto.
Para Pedro Souza, que também é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e também já realizou diversos estudos sobre desigualdade, alguns junto com Medeiros, pesquisas como as feitas pelo IBGE e institutos semelhantes pelo mundo têm muita dificuldade em avaliar rendimentos financeiros. Por isso, é positivo quando estudiosos conseguem reunir dados de fontes complementares e chegam a respostas semelhantes com trabalhos independentes. “Ainda que os números não sejam exatamente iguais, eles apontam a mesma tendência. Quando isso acontece, traz mais confiança para os nossos resultados”, afirma.
Por exemplo, um estudo publicado por Medeiros, Souza e Fábio Castro em 2015, nomeado “A Estabilidade de Desigualdade no Brasil entre 2006 e 2012”, mostra que os 10% mais ricos detém 54% da renda, número próximo do encontrado por Morgan. “Não é que outras pesquisas estejam erradas”, diz Medeiros. “Mas há uma desigualdade oculta que precisamos medir”, afirma.
Até porque, entender as origens dessa desigualdade, é o que vai apontar caminhos para sua redução, que não são nada triviais. Para Medeiros, alguns dos caminhos são mudar a forma de tributação, melhorar a educação e buscar formas de diminuir as vantagens das origens sociais nas camadas mais ricas.