A estiagem histórica que castiga o abastecimento de água em diversas cidades do Sudeste expôs as raízes mais profundas de um problema que contamina o setor de saneamento básico do País e que está na base da crise atual: a desorganização institucional que impera entre prestadores de serviços de saneamento, Estados e municípios.
De norte a sul do País, a confusão é geral. Envolve empresas que operam de maneira informal e sem contrato, a ausência de fiscalização, alegações de cobranças extorsivas de tarifas e serviços de péssima qualidade. Essa combinação tem produzido índices recordes de desperdício de água e pilhas de processos judiciais, com casos que já chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2007, uma lei federal garantiu a titularidade da gestão e fiscalização dos serviços de água e esgoto aos municípios. Na prática, porém, a lei não é respeitada. No centro das polêmicas, está a criação de agências reguladoras para fiscalizar o setor. De um lado, estão os municípios, que detêm a titularidade legal dos serviços de saneamento e querem mais fiscalização sobre a qualidade do que é oferecido à população por companhias públicas e privadas. De outro, estão os Estados, donos de parte das empresas de saneamento questionando a existência de órgãos municipais para fiscalizá-los.
No interior de São Paulo, por exemplo, 47 municípios reunidos em um consórcio público montaram, em 2011, uma agência reguladora dos serviços de saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Ares-PCJ). Nessas bacias estão as nascentes das represas do Sistema Cantareira, em crise há dois anos.
“O objetivo da agência é fiscalizar os serviços prestados aos municípios da região, a maior parte deles por empresas municipais, mas temos oito cidades que são atendidas pela Sabesp. Nessas cidades, a Sabesp não aceita a nossa fiscalização”, diz Dalto Favero Brochi, diretor-geral da Ares-PCJ.
A alegação da Sabesp é que já existe uma instância do governo de São Paulo para desempenhar essa tarefa, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arcesp). “É uma situação difícil. Esses municípios atendidos pela Sabesp aderiram à Ares-PCJ e delegaram para nós a regulação. É um direito deles, garantido por lei, escolher quem fará essa fiscalização, mas a Sabesp não aceita”, diz Brochi. O caso foi parar na Justiça. A Sabesp informou que “sempre atua com respaldo da legislação do setor e se submete à fiscalização dos órgãos competentes”.
Supremo
Em Salvador, a crise institucional já chegou ao STF. A prefeitura quer fiscalizar os serviços prestados pela Empresa Baiana de Água e Esgoto (Embasa), sob alegação de que a agência reguladora estadual (Agersa) faz vistas grossas para as falhas da distribuidora da água. Por isso, a prefeitura criou em 2013 uma agência de fiscalização, a Arsal. “Queremos um sistema autônomo. O serviço da Embasa é de péssima qualidade. Ela nem sequer consulta a prefeitura sobre os serviços que seriam prioritários”, diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda de Salvador.
Para o presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, a prefeitura age por interesses políticos. “Falta bom senso. Nenhuma metrópole vai resolver os problemas de saneamento sem uma integração com o Estado”, diz Oliveira Filho, que foi secretário de Saneamento do Ministério das Cidades no governo Lula, entre 2003 e 2007.
O imbróglio baiano envolve, ainda, a criação, pelo Estado, da região metropolitana de Salvador, um consórcio com 13 municípios, incluindo a capital. A prefeitura se nega a fazer parte do consórcio por entender que o grupo dilui decisões que caberiam à capital, como a fiscalização do saneamento.
No mês passado, o ministro do STF Celso de Mello indeferiu uma liminar do Democratas, partido do prefeito de Salvador, ACM Neto, que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei complementar que criou o consórcio. “Esse tipo de situação se espalha pelo País. O saneamento sofre com a falta de regulação, porque não tem métricas de eficiência, o que leva a grandes prejuízos”, diz o advogado Wladimir Antonio Ribeiro.
Especialista no assunto, Ribeiro defende o modelo de consórcios de municípios. “Temos cidades de mil habitantes no País, que não têm condições de manter uma estrutura própria de fiscalização. Os consórcios, desde que bem estruturados, são a melhor opção”, afirma.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.