No momento em que o debate sobre os gastos públicos nunca esteve tão forte por causa do tamanho do pacote bilionário de estímulo fiscal para o enfrentamento da covid-19, o Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) calculou que o aumento das despesas públicas já estava em aceleração na última década, antes mesmo da pandemia.
As despesas do setor público passaram do equivalente a 38,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 para 42,7% em 2019. Os gastos que mais cresceram foram benefícios sociais (previdenciários e assistenciais), com alta de 3,6 pontos porcentuais do PIB, e a remuneração dos servidores, que subiu 1 ponto porcentual do PIB.
O trabalho, obtido pelo <b>Estadão</b>, envolve o período de 2010 a 2019, que antecede o primeiro ano da pandemia, e tem com objetivo servir de base para uma análise criteriosa dos fatores que vêm puxando a expansão dos gastos no Brasil, a velocidade desse crescimento e a necessidade das políticas públicas daqui para frente.
A ideia dos pesquisadores foi trazer maior transparência para os dados e ajudar no debate sobre os rumos da política fiscal brasileira usando uma metodologia baseada na despesa efetiva, afastando, inclusive, duplas contagens que foram apontadas pelo estudo e que acabam inflando os dados.
O trabalho contesta as avaliações de que o Brasil foi o País que mais ampliou os gastos no período, com dados que mostravam alta acima de 10 pontos porcentuais na década.
O debate sobre as despesas não é de agora, mas a divulgação dos dados ocorre num momento em que o crescimento dos gastos públicos no socorro durante a pandemia tem preocupado analistas com relação à sustentabilidade das finanças públicas e à capacidade do governo de controlar seus gastos. "Os dados de finanças públicas envolvem grande complexidade mesmo para analistas experientes, o que pode levar a diagnósticos equivocados ou mesmo percepções imprecisas sobre o tamanho do problema", avalia o coordenador do observatório, Manoel Pires, e um dos autores do estudo ao lado dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair.
O debate ganha maior relevância em função das circunstâncias recentes: déficit público recorde em 2020 e dívida bruta que pode atingir 100% do PIB nos próximos anos.
Para a comparação internacional, o Tesouro usa dados que mostram que a despesa pública (sem considerar os investimentos) saiu de 40,6% do PIB em 2010 para 48,2% do PIB em 2019, uma variação positiva de 7,6 pontos porcentuais do PIB.
Segundo Pires, a preocupação que levou ao levantamento é com o fato de que distorções estatísticas podem endossar teses inadequadas sobre a dinâmica e o tamanho do governo no Brasil, principalmente em relação a outros países.
"Nada tem a ver com visão X ou Y sobre economia. É estatística nua e crua. Se quisermos fazer uma análise de quanto expansionista ou contracionista é a política fiscal tem de analisar o gasto efetivo", diz Gobetti. Ele explica que o trabalho faz três ajustes metodológicos que retiram itens justamente que não são gastos efetivos e acabam sendo contabilizados nos dados que o Tesouro publica para ajustar os cálculos a critérios internacionais.
<b>Metodologia</b>
Foram excluídas do cálculo as contribuições sociais, que são somadas às despesas com salários e vencimentos dos servidores para se chegar à remuneração. O problema é que, na maioria das vezes, as contribuições possuem um caráter meramente contábil. Segundo Pires, a metodologia usada no estudo acaba com a dupla contagem do gasto para contribuição previdenciária e a despesa efetiva com o pagamento das aposentadorias.
O estudo também excluiu os desembolsos do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que são privados. A avaliação é de que a permanência desses dois fundos como despesas públicas gera distorções como, por exemplo, o gasto cresce muito mais nos anos em que o governo libera os saques do FGTS, como tem ocorrido desde 2017. Também foi excluída a estimativa de depreciação dos ativos do governo, que é a perda de valor do estoque dos investimentos, como prédios públicos e rodovias. O entendimento é que a depreciação gera um custo econômico, mas não um gasto público que só é efetivado, por exemplo, quando o governo gasta para tapar um buraco de uma estrada.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>